09 novembro 2013

Desafios do Cooperativismo

Matéria publicada originalmente em www.programaredes.org.br

Rafael Moya



Grupos produtivos apontam desafios e oportunidades do cooperativismo
Tamanho do Texto
AA

Publicada em 11/09/2013 às 14:40
Apicultores do projeto Mais Mel criam cooperativa para alavancar negócios
Estruturar uma cooperativa no Brasil não é tarefa fácil. Contudo, o percurso pode ser muito mais tranquilo se os empreendedores contarem com apoio contábil e jurídico. Com um mercado cada vez mais aberto para esse tipo de empreendimento, as oportunidades estão colocadas e o cooperativismo se consolida como sólida alternativa de negócio para grupos produtivos de caráter rural ou urbano.
Segundo a Organização das Cooperativas do Brasil (OCB) cerca de 60% das cooperativas estão no campo, vinculadas a atividades primárias, como agricultura, pesca e artesanato. Ainda existem as ligados a negócios educacionais, habitacionais, de saúde, de produção, entre outros. Independente da natureza dos grupos, do seu porte e alcance, eles estão sujeitos a processos comuns durante sua formalização e se orientam pela mesma Legislação, instituída pelo Governo Federal em 1971 – e revisada em 2012.
O primeiro passo para a formalização de um grupo produtivo no modelo do cooperativismo é publicar, em jornal de circulação relevante, um edital convocando assembleia geral. Rafael Moya, advogado e especialista em economia solidária e desenvolvimento territorial, explica que o estatuto e as demais decisões tomadas nessa primeira assembleia devem ser registrados na Junta Comercial do Estado.
“A partir daí a cooperativa começa a existir juridicamente. O próximo passo é solicitar na Receita Federal o CNPJ da organização. Parece simples, mas, por lei, é necessária a assinatura de um advogado em cada etapa e o ideal é que o processo conte também com o auxílio de um contador. Em cidades menores, com grupos poucos preparados, todo esse percurso pode ser mais difícil”, disse.
Moya explica, ainda, que para criar associações o processo é menos burocrático, o que acaba levando os empreendedores a esta modalidade. “A questão é que associações não podem comercializar sua produção como grupo, organizado sob um mesmo CNPJ. Associações são representações políticas que gerenciam bens e alguns processos, mas a comercialização é independente, via cada produtor. Isso não é errado e nem ruim, mas às vezes não é o mais adequado para determinada comunidade. É preciso saber que modelo de negócio está sendo pensado.”
Trajeto muito comum entre grupos produtivos é a migração do modelo de associação para cooperativa. O fato de existir como coletivo organizado já é o primeiro passo. “Essa prática é muito natural. O grupo já existe, com interesses comuns, lideranças, vivências, experiências acumuladas. O processo ocorre mais facilmente”, afirmou Rafael.
Cooperativas no ReDes
Dos projetos que recebem apoio do Programa ReDes, 35% tem cooperativas como organização executora, 65% são associações e, dentre estas,  metade deve adotar o modelo do cooperativismo até o fim do ano. Os números mostram que os projetos procuraram a maneira mais adequada de se estruturar e, para alguns, o salto nos negócios virá com a migração para o formato de cooperativa.
Em Brasilândia (MS), o projeto “Mais Mel” já apresenta resultados positivos em sua estrutura, com a aquisição de máquinas e ampliação da Casa do Mel, e também em sua mudança na maneira de comercializar a produção. Os 27 associados da Associação Brasilandense de Apicultores (ABA) conseguiram o CNPJ da cooperativa que estão formando e, inclusive, já fizeram uma primeira ata de alteração de estatuto. A ABA continua a existir e eles passarão a comercializar como cooperativa quando todos os processos do mel estiverem legalizados.
Para o apicultor José Henrique dos Santos Almeida, tesoureiro na ABA e secretário geral da nova cooperativa, o aprendizado nesse novo formato é diário. “Éramos muito focados no associativismo e, agora, no cooperativismo é diferente, os mais antigos desconfiam um pouco. Foi o ReDes que despertou a vontade de formar o grupo produtivo. Com nosso projeto queríamos melhorar a estrutura, mas continuaríamos na informalidade. Dessa maneira entramos para o mercado de vez”, explicou.
Ele ainda disse que o grande desafio nesse processo foi a elaboração do estatuto, visto que o acesso a esse tipo de informação é restrito. “Uma consultoria nesse sentido é essencial, não sabíamos nem como procurar referências. Mas valeu a pena, em breve teremos uma marca, um produto nosso e vamos conseguir acessar compras públicas e novos mercados. Com certeza será um divisor de águas pra apicultura do nosso município”, finalizou José Henrique.

11 outubro 2013

Sentença sobre reintegração de posse da USP

Tem uns juízes que ainda me fazem ter uma pontinha de esperança no #Judiciário. Sobre a reintegração de posse da reitoria da USP. A sentença é do corajoso Adriano Marcos Laroca.

"Certamente, é muito mais prejudicial à imagem da USP, sendo a universidade mais importante da América Latina, a desocupação de estudantes de um de seus prédios com o uso da tropa de choque, sem contar possíveis danos à integridade física dos estudantes, ratificando, mais uma vez, a tradição marcadamente autoritária da sociedade brasileira e de suas instituições, que, não reconhecendo conflitos sociais e de interesses, ao invés de resolvê-los pelo debate democrático, lançam mão da repressão ou da desmoralização do interlocutor. Aqui, não se olvide que sequer escapa desse "pensamento único", infelizmente, a maioria da mídia e da própria sociedade, amalgamada, por longos anos, nessa tradição de pensamento autoritário."

"De outro lado, cabe outra ponderação. A ocupação de bem público (no caso de uso especial, poderia ser de uso comum, por exemplo, uma praça ou rua), como forma de luta democrática (artigo 5º XVI da CF), para deixar de ter legitimidade, precisa causar mais ônus do que benefícios à universidade e, em última instancia, à sociedade."

"Outrossim, frise-se que nenhuma luta social que não cause qualquer transtorno, alteração da normalidade, não tem força de pressão e, portanto, sequer poderia se caracterizar como tal."

"Por fim, ouso dizer que o Poder Judiciário não pode mais, simplesmente, absorver conflitos negados pela postura antidemocrática dos demais poderes, sob o manto protetor de qualquer instituto jurídico -, no caso, o da posse -, sem o risco de ele próprio praticar o mesmo autoritarismo (repressão), os quais, na maioria das vezes, de modo irresponsável, são lhe transferidos pelos administradores de plantão."

Rafael Moya


04 outubro 2013

Um Conselho Necessário

Meu artigo publicado no jornal Correio Popular de Campinas em 03/10/2013.

Rafael Moya


UM CONSELHO NECESSÁRIO

Neste mês de setembro concluí meu mandato como presidente do Conselho Municipal de Meio Ambiente de Campinas. O COMDEMA é o conselho mais antigo de Campinas, tendo sua atual configuração determinada pela lei 10.841 de 2001, sancionada pelo prefeito Toninho. Esta lei trouxe o poder deliberativo ao Conselho e o recolocou em uma posição de destaque na discussão ambiental do município. Além desta lei, a Lei Orgânica de Campinas, determina que o Conselho de Meio Ambiente coordenará o sistema ambiental do município.

Minha eleição se deu em uma situação sui generis. Estávamos no meio da maior crise política de nossa história em 2011. Em que pese a forte intervenção do governo de plantão em setembro daquele ano, a sociedade civil articulou-se se maneira eficaz e conseguimos a eleição. Durante minha gestão pude conviver com três prefeitos. Em todas as administrações, sem exceção, tivemos problemas de diálogo e de respeito ao COMDEMA, em que pese graus diferentes. No Brasil os gestores públicos têm dificuldades em lidar com a democracia participativa e deliberativa. Ao serem eleitos, rapidamente deixam de lado o democrata e adquirem ares de monarcas, pouco se importando com os fóruns de discussões, audiências e deliberações coletivas.

Os esforços para amordaçar o Conselho foram muitos, mas insuficientes. A título de exemplo, o COMDEMA tem garantido por lei, recursos financeiros próprios, previstos em lei orçamentária, para a execução de suas atividades. Nestes dois anos de mandato nunca conseguimos acessar um centavo. A única estrutura que o Conselho dispõe é a de um Secretário Executivo, cargo de confiança nomeado pelo prefeito. A primeira medida do governo Jonas para com o COMDEMA foi a exoneração da pessoa que cumpria a função de maneira satisfatória por anos, e só nomeou outra depois de seis meses de muita luta e pressão. O Conselho tem a atribuição de manifestar-se sobre todas as questões referentes ao meio ambiente natural ou construído de Campinas, entre elas os empreendimentos imobiliários que se instalam na cidade.

Minha gestão teve por objetivo resgatar o Conselho como espaço legítimo para promover a construção da cidadania e a educação política, debater e propor políticas públicas e exercer controle social sobre o governo. Sempre busquei que nossa atuação se desse de maneira independente, seja do Executivo seja dos setores empresariais, que são legítimos e devem estar representados, mas que não podem, de maneira alguma, deter o controle do Conselho. Neste sentido, organizamos diversos debates, fizemos o diálogo e apresentamos aos candidatos a prefeito e a vereadores as pautas do conselho, organizamos a Conferência de Meio Ambiente e tantas outras atividades ao longo destes rápidos dois anos.

Ao deixar a presidência do COMDEMA, deixo o conselho com cem mil reais aprovados no PROAMB para uso da próxima gestão e o compromisso da Secretaria do Verde na construção da sede do Conselho, a Casa da Sustentabilidade. Muitos têm me questionado dos motivos que me fazem não buscar a reeleição. Neste processo de eleições, o governo Jonas tem atuado fortemente por meio da Secretaria de Relações Institucionais para a retomada do controle do conselho, intervindo na comissão eleitoral, inscrevendo pessoas que possuem cargos comissionados por meio de entidades da sociedade civil, evidenciando, mais uma vez, nenhum apreço pelos conselhos, especialmente pelos independentes.  Somado a isso, a sociedade civil, de maneira geral, tem demonstrado pouco interesse pela participação na coisa pública. A título de exemplo, a macrozona 1, que corresponde a quase 30% do território da cidade e abriga a Área de Proteção Ambiental de Campinas (APA), teve apenas uma entidade inscrita para a participação no COMDEMA, assim como o distrito da Barão Geraldo pela macrozona 3.

Por parte das entidades ambientalistas, segmento de onde venho, estas precisam se reinventar. A luta política contra-hegemônica pede mais do que palavras de ordem e frases de efeito, pede atuação consistente e sistemática e um diálogo com a sociedade que, apesar do evidente mal-estar, ainda não encontrou caminhos para construir um novo poder, poder esse que obrigue os monarcas travestidos de democratas a ouvirem as vozes das ruas. Minha luta ambientalista agora seguirá neste caminho, sempre me colocando à disposição daqueles que queiram construir uma cidade justa e sustentável.

Rafael Moya
Advogado, mestre em Engenharia Urbana e consultor em políticas socioambientais.
rafaelmoya.blogspot.com


14 agosto 2013

CONFERÊNCIA DE MEIO AMBIENTE

Artigo publicado no jornal Correio Popular de Campinas em 13 de agosto de 2013.


CONFERÊNCIA DE MEIO AMBIENTE

Entre os dias 17 e 18 de agosto acontecerá a Conferência Municipal de Meio Ambiente (CMMA) em Campinas, na Estação Cultura. Tal evento é um marco na luta ambiental da cidade. É a primeira conferência com participação da sociedade e do COMDEMA (Conselho Municipal de Meio Ambiente). A etapa municipal se coordena com a conferência estadual que será de 20 a 22 de setembro e a nacional que ocorrerá de 24 a 27 de outubro.

O tema da conferência em todas as etapas será Resíduos Sólidos. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, “A meta é qualificar poder público, setor privado, sociedade civil organizada, cooperativas de catadores e cidadãos em geral no grande esforço nacional para reduzir a geração dos resíduos sólidos, assumir responsabilidades com a construção de uma sociedade sustentável e lançar um novo olhar sobre os resíduos sólidos, reconhecendo-os como um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda e promotor da cidadania.” Com a lei 12.305/2010, o lixo ganhou outro patamar. A lei trouxe questões importantes como o princípio do protetor-recebedor, responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, reutilização, logística reversa, controle social, entre outros avanços. 

Em uma sociedade que pauta seu desenvolvimento econômico pelo aumento do consumo, o tema dos resíduos que geramos é cada vez mais urgente. No Brasil a gestão dos resíduos sólidos está sob domínio de algumas poucas grandes empresas, para as quais os poderes públicos municipais terceirizam os serviços de limpeza pública. Segundo dados do IBGE (2010), esse tipo de contrato chega a representar 20% dos orçamentos municipais. Conforme diferentes denúncias provenientes do movimento de catadores, de gestores públicos e de urbanistas renomados, esse modelo tem custo muito elevado, é pouco eficiente do ponto de vista da gestão e apresenta graves problemas do ponto de vista ambiental, uma vez que não prioriza a reciclagem.

A atual administração municipal não resistiu à realização da CMMA. Com o empenho exclusivo da Secretaria do Verde e do Desenvolvimento Sustentável (SVDS), do COMDEMA, da sociedade civil e de parceiros, conseguiremos realizar este evento histórico para Campinas, o qual, por anos, ambientalistas de Campinas lutaram para acontecer. Porém, esperamos que a prefeitura como um todo participe e implemente as deliberações da CMMA, para que não seja mais uma conferência devidamente guardada em alguma gaveta do poder público. A comissão organizadora, ante a falta de apoio financeiro do Executivo Municipal, que desrespeitou o próprio decreto que convoca a CMMA que garantia recursos para sua realização, não teve outra saída que não buscar apoio do setor empresarial para a garantia da estrutura mínima de realização do evento.

Outra questão fundamental para o sucesso da CMMA é a participação não apenas da SVDS, mas de outras secretarias importantíssimas para a questão de resíduos sólidos como Trabalho e Renda, Educação e Infraestrutura. Além destas, é evidente o anseio da sociedade na participação da Secretaria de Serviços Públicos, atual responsável pela gestão dos resíduos sólidos em Campinas. A cidade está há mais de dois anos com o contrato do lixo vencido. Atualmente o contrato está sob um Termo de Ajustamento de Conduta, ante ao iminente caos que se instalaria na cidade se ficasse sem coleta, sem falar no aterro Delta A, já saturado faz tempo e o Delta B embargado, além das cooperativas de reciclagem que agonizam. Mesmo ante esse caos, a atual administração insiste no equívoco de tentar contratar uma empresa para a gestão dos resíduos sólidos sem termos um Plano Municipal de Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos e sem ouvir a sociedade, atendendo assim as exigências da Lei 12.305/2010. Exemplos não faltam a demonstrar que o maior contrato da prefeitura de Campinas vem sendo tratado com a falta de competência e respeito contumazes.

Esperamos que a prefeitura, particularmente a Secretaria de Serviços Públicos, participe da CMMA e que acate suas decisões, não procedendo como tem feito com o COMDEMA, ignorando sistematicamente os convites do conselho para apresentação do que tem sido desenvolvido até o momento. Do lado da sociedade civil, esperamos uma participação maciça nos dias 17 e 18, para debatermos ideias e propostas para nossos resíduos e nosso meio ambiente. As ruas já demonstraram que a participação popular é capaz de ocasionar mudanças. Precisamos canalizar essa energia para espaços “organizados” de participação, pois só assim veremos este quadro atual de coisas se alterar radicalmente.

Rafael Moya
Advogado, mestre em Engenharia Urbana
Presidente do COMDEMA e da CMMA



02 julho 2013

DE QUE PLEBISCITO O BRASIL NECESSITA?



A palavra “impossível” tornou-se muito relativa nas últimas semanas para a política brasileira. Qualquer pessoa que reivindicasse a redução da tarifa de ônibus e metrô ouviria um contundente, “impossível” de qualquer governante ou analista da grande mídia. As ruas mostraram o contrário. Há décadas ouve-se que seria “impossível” que qualquer dos poderes de Brasília aprovasse uma reforma política. As ruas, mais uma vez, mostraram o contrário. Por tanto, o que hoje, é “impossível”, amanhã, dependendo da altura dos gritos das ruas, poderá ser facilmente realizado.

Quando a grande mídia, ao perceber que não conseguiria conter as manifestações de rua (pois ela detém a maior bomba de efeito moral do Brasil), tentou manipulá-la. Tentou impor pautas de reivindicações conservadoras do ponto de vista social e diluir as reivindicações por transporte público. Mais uma vez não conseguiu. As pessoas que estão nas ruas, começam a relativizar as verdades transmitidas por jornais, TV´s  e revistas.

A classe política, da que está no poder às que não estão, - da União, Estados e Municípios - da esquerda à direita, ficou perplexa com o que ouviu nas ruas. Uma fala emblemática do líder do governo Dilma, Romero Jucá, deixa isso claro: “É, sabíamos que havia um descompasso entre nós e a população, mas não imaginávamos que era tão grande”. Pois é senador, é um abismo.

A presidente Dilma, acuada pelas manifestações, conclamou o poder executivo de todo o país – todos os governadores e prefeitos de capitais – e fez um importante anúncio. Dilma foi obrigada a isso, pois, seus atuais aliados, também estavam na berlinda, de maneira habilidosa, a presidenta tentou jogar-se nos braços do povo, e jogou a decisão ao Congresso Nacional, sugerindo uma Assembleia Nacional Constituinte exclusiva para a reforma política.



É NECESSÁRIA UMA REFORMA POLÍTICA?

O que ocorreu nas ruas do Brasil foi um grito. Um grito importante e que ecoará por muito tempo e que fez as estruturas de poder no país tremerem. Mas não sabemos qual será o fôlego das ruas. Além de vitórias pontuais, é necessário que esse estremecimento sirva para começar a florescer uma proposta consistente de reforma política, que, aliás, é muito mais profunda e ampla que uma reforma eleitoral como tem sido proposta. Uma reforma política que possa, ainda mais do que a Constituição de 1988, avançar numa democracia participativa, com transparência e controle social. Uma reforma política que vá além da, necessária, reforma eleitoral, que altere as estruturas de participação da sociedade em todos os níveis, que fortaleça conselhos municipais, que garanta transparência na gestão pública, que exija políticas públicas claras e eficientes dos governantes, que acabe com a promiscuidade entre poderes legislativos e executivos. Uma reforma política que garanta o controle social do judiciário.


PLEBISCITO OU REFERENDO?

Fica claro que os donos do poder, via grande mídia, querem, mais uma vez, frear o ímpeto das ruas. Começam a dizer que uma consulta pública custaria muito caro, que não há tempo, que isso é uma matéria muito complexa e outros falatórios preconceituosos e arrogantes. Esquecem que, quem mudou (e está mudando) esse país não são eles, é o povo na rua.
A grande mídia tem defendido que a reforma política fique num referendo. Em um referendo, a população irá às urnas par
a aceitar ou rejeitar a reforma política feita pelos atuais parlamentares. Se rejeitarem, volta tudo como é hoje. Bacana, não? Isso é o que os intelectuais que têm espaço nas TV´s e nos jornais têm defendido.

Em um plebiscito a população pode escolher entre algumas opções. O que o governo Dilma tem defendido é uma reforma eleitoral (chamando-a de reforma política). Tudo bem, ela é melhor que um referendo. Porém, a pergunta que fica no ar é: que perguntas serão feitas? Como serão feitas? Quem as fará? Será que os atuais parlamentares têm legitimidade e condições para fazerem isso? Parece-me que não.

Ao que me parece, o mais adequado neste momento, é um plebiscito que faça perguntas como as seguintes:

- Você é a favor de uma assembleia nacional constituinte exclusiva para que a mesma faça uma reforma política?

A ideia é que novos representantes do povo possam discutir, debater e aprovar um novo texto que dê novos mecanismos políticos no Brasil. Isso é uma tarefa intrincada, longa e que exige muito trabalho.

- Você é a favor de que os deputados constituintes fiquem inelegíveis por 8 anos?

A ideia é que os deputados constituintes não legislem à seu favor.

- Você é a favor de que pessoas que não sejam filiadas a partidos políticos possam se candidatar?

A ideia não exclui os partidos, mas dá a possibilidade que personalidades, representantes populares, possam estar presentes. Além de atender uma reivindicação das ruas.

- Você é a favor que nas eleições para deputados constituintes não haja financiamento de campanhas eleitorais por empresas?

Para que se garanta equilíbrio e justiça nas campanhas eleitorais que não poderão contar com estruturas milionárias.


O QUE É UMA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE?

Nossa constituição é de 1988. Neste período o Brasil saia de uma ditadura civil-militar. As manifestações populares, os movimentos sociais estavam fortes e presentes nas ruas. Isso foi decisivo para que tivéssemos uma boa Constituição, progressista e que garante diversos direitos individuais e sociais.
Nenhuma constituição é suicida. Ou seja, ela não prevê mecanismos para se acabar com ela. Novas constituições se dão em momentos de rupturas políticas e revoluções. Uma constituição é feita por uma assembleia constituinte. São eleitos deputados constituintes que têm a única função discutir, escrever e aprovar uma constituição. Quando isso termina seu mandato se encerra.


MAS ISSO ESTÁ DENTRO DA LEI?

Nossa Constituição assim determina:

Art. 1º, parágrafo único: TODO O PODER EMANA DO POVO, que o exerce por meio de representantes eleitos ou DIRETAMENTE, nos termos desta Constituição.

Art. 14. A SOBERANIA POPULAR será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
I - plebiscito;

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
XV - autorizar referendo e convocar plebiscito

Assim, se o povo votar em um plebiscito e nele autorizar uma assembleia nacional constituinte exclusiva, isso será plenamente possível e legal. A única exigência é que o Congresso Nacional convoque esse plebiscito e faça as perguntas corretas.

Atualmente a Constituição só pode ser alterada por meio de Emendas Constitucionais propostas por deputados ou senadores. Assim a constituinte exclusiva substituiria os parlamentares. 



MAS ISSO É IMPOSSÍVEL DE ACONTECER

Segundo pesquisa Datafolha, 8 em cada 10 brasileiros apoiam as manifestações. A mesma pesquisa mostra que 73% aprovam a elaboração de reforma política por um grupo de representantes eleitos. A hora é essa.
As ruas demonstraram que muita coisa que era impossível na política brasileira aconteceu. As ruas podem muito. Nós temos que mantê-las ocupadas e unidas em torno de objetivos comuns.

Avante!


Rafael Moya

24 junho 2013

Hoje a voz embargou e lágrimas rolaram

Hoje a voz embargou e lágrimas rolaram. Faz 8 anos que resolvi sair as ruas contra o preço da tarifa e qualidade dos ônibus de Campinas. Rapidamente notei o potencial transformador e incendiário que essa luta teria. As pessoas são extorquidas e humilhadas diariamente quando precisam de um ônibus. Um dia chorei ao entrar no setor de ortopedia da Unicamp e ver dezenas de jovens (quase sempre pardos e pobres) quebrados, mutilados, com gaiolas porque precisam de uma moto para se locomoverem o que poderia ser evitado se tivéssemos um transporte público justo. Ver mais de 100 mil pessoas tomarem São Paulo e 40 mil em Campinas e o país inteiro se levantando foi lindo. A movimentação dos reacionários e dessa classe média preconceituosa leitora da Veja me preocupou, mas nunca tirou minhas certezas.

Foram muitos atos debaixo de chuva, porrada da polícia, madrugadas em portas de garagens de ônibus, ridicularização e ataque de parte da imprensa. Ameaças. Foram centenas de palestras, debates, viagens, gastos que eu à época não tinha para pagar. Mas seguimos em frente.

Hoje, dia 24 de junho de 2013, ao ler a carta do MPL à Dilma enquanto a via anunciar a possibilidade de um plebiscito para uma reforma política, a convocação de dez mil médicos para os lugares mais necessitados desse país, o investimento de 50 bilhões de reais para mobilidade urbana, o Alckmin dizendo que não subiria os pedágios.... chorei.

Passou um filme em minha cabeça. Como quis abraçar meus companheiros de luta, alguns tão longe, outros já nem mais entre nós.

Não há nada ganho, nada decidido. A porta foi arrombada pelo povo. E numa hora surpreendente. Agora é hora de ocupar o poder nesse país. Não saiamos da rua, mas vamos canalizar nosso poder, esse poder magnífico do povo brasileiro.

Não será o Ministério Público ou o Judiciário que mudarão esse país. Somos nós, eu e você.

Aos papagaios da Veja e aos sectários esquerdistas, desculpem. A hora é de empurrarmos para frente esse país. É hora de avançarmos! Não é o fim. O jogo será duro. Os donos do poder vão se mobilizar. É só o começo. Mas agora com a porta devidamente aberta.


Rafael Moya

"Essa reunião com a presidenta foi arrancada pela força das ruas, que avançou sobre bombas, balas e prisões. Os movimentos sociais no Brasil sempre sofreram com a repressão e a criminalização. Até agora, 2013 não foi diferente: no Mato Grosso do Sul, vem ocorrendo um massacre de indígenas e a Força Nacional assassinou, no mês passado, uma liderança Terena durante uma reintegração de posse; no Distrito Federal, cinco militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) foram presos há poucas semanas em meio às mobilizações contra os impactos da Copa do Mundo da FIFA. A resposta da polícia aos protestos iniciados em junho não destoa do conjunto: bombas de gás foram jogadas dentro de hospitais e faculdades; manifestantes foram perseguidos e espancados pela Polícia Militar; outros foram baleados; centenas de pessoas foram presas arbitrariamente; algumas estão sendo acusadas de formação de quadrilha e incitação ao crime; um homem perdeu a visão; uma garota foi violentada sexualmente por policiais; uma mulher morreu asfixiada pelo gás lacrimogêneo. A verdadeira violência que assistimos neste junho veio do Estado – em todas as suas esferas." (Trecho da carta do MPL à Dilma)


"E, embora restrito a um foco único, é maximalista, como estamos vendo agora: a meta é a tarifa zero. Cuja razoabilidade demonstrada nas suas cartilhas de clareza igualmente máxima são exemplares como introdução prática à crítica da economia política. Pelo tênue fio da tarifa é todo o sistema que desaba, do valor da força de trabalho a caminho de seu local de exploração à violência da cidade segregada rumo ao colapso ecológico. Simples assim, por isso, fatal, se alcançar seu destinatário na hora social certa, como parece estar ocorrendo agora." (Paulo Arantes)


18 junho 2013

VIOLÊNCIAS E MOBILIDADE URBANA

Artigo publicado no jornal Correio Popular em 18 de junho de 2013.

Rafael Moya



VIOLÊNCIAS E MOBILIDADE URBANA


Novamente a pauta do transporte público vem a tona. Sejam pelas manifestações na cidade de São Paulo, seja pela redução da tarifa em Campinas. A discussão deve ser mais profunda do que tarifas e “vândalos”. A questão que os habitantes, de qualquer cidade média ou grande enfrentam, cotidianamente, é a da mobilidade urbana.



Segundo a matéria do Correio Popular de 13 de junho, em menos de cinco horas, os vereadores realizaram uma audiência pública e votaram a autorização para que a prefeitura financie 444 milhões de reais para a implantação do sistema BRT (Bus Rapid Transit). A pergunta que fica no ar é: qual foi a publicidade dessa audiência “pública”. Como um tema da maior relevância é tratado “a toque de caixa” pelos nobres edis? Se fossem perder algum tipo de prazo, porque não fizeram essa discussão antes com a sociedade garantindo assim a moralidade do processo?

Investimentos em transporte público não são a regra, pois em geral têm servido apenas para estimular ainda mais o transporte motorizado individual, como por exemplo, a redução de IPI para carros e motos realizado por Lula e mantido por Dilma. É só observarmos ainda que os investimentos em infraestrutura viária de Campinas são muito maiores do que em transporte público.

O custo social desse modelo de mobilidade urbana irracional é maior quando tratamos das questões de saúde pública e ambientais. São 60 mil mortes anuais no trânsito brasileiro sem contar a imensa ocupação do SUS por vítimas de acidentes no trânsito. Na questão ambiental, a Organização Mundial de Saúde, já alertou que a qualidade do ar da Região Metropolitana de Campinas é pior que a da Grande São Paulo, a maior parte dela decorrente das fontes móveis (veículos).


Neste bojo, a cidade foi surpreendida com o anúncio pelo prefeito Jonas de que reduzirá a tarifa do transporte público em 10 centavos.  Segundo outra matéria do Correio Popular também de 13 de junho, o prefeito alega que não atenderá ao pleito de aumentar o subsídio repassado aos empresários, que, segundo a lei orçamentária deste ano, prevê até 40 milhões de reais em repasses às empresas. Se o prefeito cumprir o prometido, de contratar uma empresa para realizar uma auditoria nas tarifas, permitindo também controle social desse levantamento, perceberá que a tarifa pode (e deve) reduzir ainda mais. Esta redução anunciada evidencia a total inconsistência na definição das políticas tarifárias, porém é uma sinalização importante de que as coisas podem ser diferentes.

O verdadeiro flagelo social que vivemos por conta da imposição de um modelo baseado no carro e na moto, é uma profunda violência a todos. Um transporte caro, desconfortável e ineficiente violenta cotidianamente os usuários e toda a sociedade.  O prefeito tem a oportunidade de, com a mudança substancial que o BRT trará ao sistema de transporte público e com essa redução de tarifa, de convocar setores da sociedade para criar uma comissão para investigar os reais custos do transporte público e fazer propostas para a redução das tarifas. Cidades do mundo que avançaram em um modelo de priorização do transporte coletivo tiveram que alterar a lógica da definição dos preços, desmercantilizando a discussão, buscaram ainda uma redefinição da ocupação urbana, tornando a cidade um lugar mais democrático.


Um transporte melhor interessa à esmagadora maioria das pessoas. Até mesmo aos que fizerem questão de continuar a usar carro ou moto cotidianamente, pois terão uma rua mais livre e sem tantos congestionamentos, além de um ar melhor para respirar. Para aqueles que ousam sair do aperto e das demoras dos ônibus e reivindicam melhorias e preços justos, cabe a pergunta: como fazer para que a sociedade apoie a reivindicação, já que, em regra, as políticas públicas vêm no sentido contrário? Esse é o grande desafio já que os que ganham com esse sistema atual de coisas atuam de maneira eficiente e subvertem pautas e lutas legítimas. Com ou sem manifestações de rua, a depredação socioambiental acontece diariamente com esse modelo de mobilidade urbana que temos. Os fatos demonstram que o trânsito caótico em nossas cidades é causado pelas opções políticas de nossos governantes, e as vítimas somos todos nós. Segundo o ex-prefeito que introduziu os BRT´s em Bogotá, Enrique Peñalosa, em 1998, “Mobilidade é uma questão política. Os aspectos técnicos são fáceis de resolver. Difícil é escolher, politicamente, quem será beneficiado.”

Rafael Moya

Advogado, presidente do COMDEMA Campinas e mestrando em Engenharia Urbana pela UFSCAR

Coleta Seletiva Solidária

Artigo publicado no jornal Correio Popular.

Rafael Moya


Coleta Seletiva Solidária


No Brasil, a gestão dos resíduos sólidos está sob domínio de algumas poucas grandes empresas, para as quais os poderes públicos municipais terceirizam os serviços de limpeza pública. Segundo dados do IBGE (2010), esse tipo de contrato chega a representar 20% dos orçamentos municipais. Conforme diferentes denúncias provenientes do movimento de catadores, de gestores públicos e de urbanistas renomados, esse modelo tem custo muito elevado, é pouco eficiente do ponto de vista da gestão e apresenta graves problemas do ponto de vista ambiental, uma vez que não prioriza a reciclagem.

Em oposição a esse modelo alguns municípios brasileiros estão colocando em prática a coleta seletiva solidária. Nessas cidades as prefeituras contratam cooperativas de catadores de materiais recicláveis para prestarem o serviço de coleta seletiva. Dessa forma, o governo municipal articula a gestão dos resíduos sólidos com preservação ambiental e inclusão social. 

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), aprovada em 2010 após quase 20 anos de tramitação no congresso, reafirma a possibilidade de tratar a questão dos resíduos sólidos também a partir de sua esfera social. Dessa forma, leva em consideração a existência de milhares de pessoas que tiram do “lixo” seu sustento, e reconhece os imensos benefícios ambientais que trazem com seu trabalho. Neste sentido, a PNRS garante prioridade às cooperativas e associações de catadores na prestação de serviços ao poder público. Outro importante benefício da lei é trazer o princípio do protetor-recebedor em matéria ambiental, abrindo a possibilidade dos catadores serem remunerados pelos serviços ambientais prestados, garantindo assim igualdade de condições perante as empresas que já recebem por serviços semelhantes e com muito menos eficiência.

As cidades de Araraquara, São Carlos, São José do Rio Preto, Diadema, Biritiba Mirim, Arujá, Assis e Ourinhos no estado de São Paulo; Londrina no estado do Paraná, Itaúna no estado de Minas Gerais, Santa Cruz do Sul, Canoas, Jaguarão, Cachoeira do Sul e Gravataí no estado do Rio Grande do Sul, que instituíram a coleta seletiva solidária, estão consolidando uma forma democrática, socialmente justa e ambientalmente correta de gestão dos resíduos sólidos urbanos.

Nessas cidades sobram bons exemplos de como colocar a coleta seletiva solidária em prática. Na maioria dos casos o esclarecimento sobre como separar o material reciclável e quando disponibilizá-lo na rua é feito porta a porta. Nessa ocasião, o catador ou a catadora responsável se apresenta ao morador. Essa é uma das características do serviço público quando desempenhado segundo os princípios da Economia Solidária. O envolvimento entre comunidade e trabalhador vai além da execução da atividade de coleta. Sentidos e expectativas são partilhados nesse contato. A comunidade sabe que, ao separar adequadamente o resíduo residencial, está contribuindo para a preservação ambiental e para a inclusão social. Muitas vezes o catador já é conhecido pelos moradores e é com satisfação que constatam que é em uma nova condição que bate à suas portas dessa vez. São agora trabalhadores reconhecidos pelo poder público e remunerados pelo serviço prestado. Essa é uma conquista de toda a sociedade.

A coleta seletiva solidária não se limita a contratação da cooperativa de catadores pela prefeitura, mas implica a gestão participativa de todo o processo. É preciso consolidar essa nova forma de lidar com os resíduos sólidos. O jeito de coletar é diferente, o caminhão é outro, a relação com a comunidade é mais intensa, a forma de remuneração obedece a outros princípios. Uma parte dessa consolidação passa necessariamente pela experimentação. A reflexão coletiva sobre a experiência do trabalho solidário, feita nos espaços de gestão participativa, em que participam catadores, gestores públicos, professores universitários, estudantes e ambientalistas permite realizar os ajustes necessários. São esses elementos que o tornam um processo de gestão inovador.

O caminho já está sendo trilhado em muitos lugares. Há anos as cooperativas de Campinas agonizam pela falta de apoio do poder público. Algumas até encerraram suas atividades ante a ausência de espaços adequados para se instalarem. Campinas precisa decidir se vai organizar a gestão dos resíduos sólidos a partir das necessidades sociais e ambientais ou se continuará varrendo a sujeira para debaixo do tapete.

Ioli Gewehr Wirth
Doutoranda em Ciências Sociais da UNICAMP

Rafael Moya
Presidente do COMDEMA Campinas e Mestrando em Engenharia Urbana da UFSCAR