31 maio 2010

Tortura, por que não?

Excelente artigo da Maria Rita Kehl sobre o vínculo entre a tortura da ditadura e a tortura praticada ainda hoje no Brasil.

abraço,

Rafael Moya



Tortura, por que não?

Maria Rita Kehl - O Estado de S.Paulo


O motoboy Eduardo Pinheiro dos Santos nasceu um ano depois da promulgação da lei da Anistia no Brasil, de 1979. Aos 30 anos, talvez sem conhecer o fato de que aqui, a redemocratização custou à sociedade o preço do perdão aos agentes do Estado que torturaram, assassinaram e fizeram desaparecer os corpos de opositores da ditadura, Pinheiro foi espancado seguidas vezes, até a morte, por um grupo de 12 policiais militares com os quais teve o azar de se desentender a respeito do singelo furto de uma bicicleta. Treze dias depois do crime, a mãe do rapaz recebeu um pedido de desculpas assinado pelo comandante-geral da PM. Disse então aos jornais que perdoa os assassinos de seu filho. Perdoa antes do julgamento. Perdoa porque tem bom coração. O assassinato de Pinheiro é mais uma prova trágica de que os crimes silenciados ao longo da história de um país tendem a se repetir. Em infeliz conluio com a passividade, perdão, bondade, geral.

Encararemos os fatos: a sociedade brasileira não está nem aí para a tortura cometida no País, tanto faz se no passado ou no presente. Pouca gente se manifestou a favor da iniciativa das famílias Teles e Merlino, que tentam condenar o coronel Ustra, reconhecido torturador de seus familiares e de outros opositores do regime militar. Em 2008, quando o ministro da Justiça Tarso Genro e o secretário de Direitos Humanos Paulo Vannuchi propuseram que se reabrisse no Brasil o debate a respeito da (não) punição aos agentes da repressão que torturaram prisioneiros durante a ditadura, as cartas de leitores nos principais jornais do País foram, na maioria, assustadoras: os que queriam apurar os crimes foram acusados de ressentidos, vingativos, passadistas. A culpa pela ferocidade da repressão recaiu sobre as vítimas. A retórica autoritária ressurgiu com a força do retorno do recalcado: quem não deve não teme; quem tomou, mereceu, etc. A depender de alguns compatriotas, estaria instaurada a punição preventiva no País. Julgamento sumário e pena de morte para quem, no futuro, faria do Brasil um país comunista. Faltou completar a apologia dos crimes de Estado dizendo que os torturadores eram bravos agentes da Lei em defesa da democracia. Replico os argumentos de civis, leitores de jornais. A reação militar, é claro, foi ainda pior. "Que medo vocês (eles) têm de nós."

No dia em que escrevo, o ministro Eros Graus votou contra a proposta da OAB, de revisão da Lei da Anistia no que toca à impunidade dos torturadores. Para o relator do STF, a lei não deve ser revista. Os torturadores não serão julgados. O argumento de que a nossa anistia foi "bilateral" omite a grotesca desproporção entre as forças que lutavam contra a ditadura (inclusive os que escolheram a via da luta armada) e o aparato repressivo dos governos militares. Os prisioneiros torturados não foram mortos em combate. O ministro, assim como a Advocacia Geral da União e os principais candidatos à Presidência da República sabem que a tortura é crime contra a humanidade, não anistiável pela nossa lei de 1979. Mas somos um povo tão bom. Não levamos as coisas a ferro e fogo como nossos vizinhos argentinos, chilenos, uruguaios. Fomos o único país, entre as ferozes ditaduras latino-americanas dos anos 60 e 70, que não julgou seus generais nem seus torturadores. Aqui morrem todos de pijamas em apartamentos de frente para o mar, com a consciência do dever cumprido. A pesquisadora norte-americana Kathrin Sikking revelou que no Brasil, à diferença de outros países da América latina, a polícia mata mais hoje, em plena democracia, do que no período militar. Mata porque pode matar. Mata porque nós continuamos a dizer tudo bem.

Pouca gente se dá conta de que a tortura consentida, por baixo do pano, durante a ditadura militar é a mesma a que assistimos hoje, passivos e horrorizados. Doença grave, doença crônica contra a qual a democracia só conseguiu imunizar os filhos da classe média e alta, nunca os filhos dos pobres. Um traço muito persistente de nossa cultura, dizem os conformados. Preço a pagar pelas vantagens da cordialidade brasileira. "Sabe, no fundo eu sou um sentimental (...). Mesmo quando minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar/ Meu coração fecha os olhos e sinceramente, chora." (Chico Buarque e Ruy Guerra).

Pouca gente parece perceber que a violência policial prosseguiu e cresceu no País porque nós consentimos - desde que só vitime os sem-cidadania, digo: os pobres. O Brasil é passadista, sim. Não por culpa dos poucos que ainda lutam para terminar de vez com as mazelas herdadas de 21 anos de ditadura militar. É passadista porque teme romper com seu passado. A complacência e o descaso com a política nos impedem de seguir frente. Em frente. Livres das irregularidades, dos abusos e da conivência silenciosa com a parcela ilegal e criminosa que ainda toleramos, dentro do nosso Estado frouxamente democratizado.

19 maio 2010

Ficha Limpa: estamos quase lá!

Estamos quase lá!

Neste final de semana, em frente à Catedral no Centro de Campinas, conseguimos mais de 500 assinaturas favoráveis ao projeto.

Se você ainda não assinou o abaixo assinado, declare seu apoio ao Ficha Limpa nos comentários desta postagem com nome completo e RG que incluiremos seu nome na relação de apoiadores.

Sim, nós podemos!

Rafael Moya





Informação da Folha Online.

19/05/2010 - 09h03


CCJ do Senado pode votar hoje projeto contra "ficha suja"

da Reportagem Local


O projeto de lei contra os candidatos "ficha suja" está na pauta da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), onde poderá ser votado nesta quarta-feira (19).

O relator será o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que já anunciou que não pretende propor alterações ao texto aprovado pela Câmara. Se aprovado pela CCJ, o projeto seguirá para o plenário.

Caso o texto seja aprovado pela comissão, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) apresentará pedido de urgência para tramitação em plenário.

Alguns senadores já se pronunciaram pedindo que o projeto tramite rapidamente, a fim de que as novas regras já possam valer nas eleições de outubro.

O projeto de lei impede candidaturas de pessoas condenadas pela Justiça, em decisão colegiada (por um grupo de juízes), por prática de corrupção, abuso de poder econômico, homicídio e tráfico de drogas.

Também amplia o período de inelegibilidade, estabelecendo em oito anos o tempo em que o político fica impedido de se candidatar quando for condenado por crimes eleitorais, hediondos, contra o meio ambiente e racismo.



12 maio 2010

STF deturpou a cordialidade

Segue artigo do Luis Fernando Veríssimo sobre a absurda decisão do STF de não rever a lei da anistia, por meio de uma ação da OAB.

Sr. Ministro Eros Grau: Nosso povo pode ser cordial, mas nossa elite não é nem nunca será.

Boa leitura.

Rafael Moya



STF deturpou a cordialidade


6 de maio de 2010

De Luis Fernando Veríssimo:

“A tese da cordialidade inata do povo brasileiro, exposta pelo historiador e sociólogo Sérgio Buarque de Holanda no seu magnífico “Raízes do Brasil”, foi mal entendida e criticada. A ponto de o seu autor precisar explicar que não chamara o brasileiro de essencialmente bom ao destacar traços da sua personalidade, como a hospitalidade e a generosidade, que impressionavam os estrangeiros. Os críticos ou tinham escolhido sinônimos para “cordialidade”, como fraqueza e irresolução, que não constavam da intenção da tese ou simplesmente chamavam a tese de absurda, dadas as evidências em contrário na nossa história e nas nossas relações sociais. Ninguém melhor do que Sérgio Buarque de Holanda sabia da truculência e da crueldade presentes nas nossas vidas desde as primeiras caravelas, sua tese estava longe de ser um desagravo do brasileiro, mas o mal-entendido persistiu. E com o tempo a “cordialidade” apontada pelo historiador ganhou significados novos e menos nobres. Hoje, é sinônimo do deixa-pra-lá-ismo que domina a moral nacional, e que não deixa de ser uma forma de generosidade com o próximo. Não somos tanto cordiais como desleixadamente coniventes.

Mas o sentido original da tese do Sérgio Buarque de Holanda foi recuperado, há dias, pelo ministro do Supremo Eros Grau, ao atribuir as anistias dadas, tanto a recente quanto as outras no nosso passado, à cordialidade inata do povo brasileiro. Está no seu voto de relator, um voto perfeitamente respeitável, ainda mais que Grau foi perseguido pela ditadura e tinha motivos pessoais para votar contra manter o perdão sem exceção. Mas invocar a velha tese da cordialidade para justificar o perdão foi estranho. Poucas vezes na nossa História a cordialidade brasileira foi tão dolorosamente desmentida como nos porões da última ditadura, em que a tortura, expressamente ou implicitamente autorizada pelo braço armado do Estado, foi prática sistemática. Um voto a favor da velha e simpática concepção de cordialidade brasileira deveria ser um voto contra a impunidade dos que a desmentiram oficialmente, e institucionalizaram seus crimes, tanto que hoje rejeitam sua averiguação sob pretexto de proteger a instituição. “Cordialidade”, no caso, sendo sinônimo de convívio civilizado, em qualquer circunstância.

Grau e os outros que votaram contra a revisão da anistia votaram não pela cordialidade mas pela sua deturpação. Votaram para deixar pra lá, e pela conivência”.

07 maio 2010

Derrota para a Prefeitura de Campinas




































Semana passada no Conselho Municipal de Meio Ambiente, conseguimos impor um grande de derrota para a Prefeitura de Campinas, que queria destruir qualquer possibilidade de fiscalização do Conselho sobre licenciamentos ambientais.

Reforma Agrária cada dia mais distante

Segue um bom comentário sobre o Censo Agropecuário divulgado recentemente pelo IBGE. Pois é, a concentração de terras continua aumentando no Brasil. Isso é ruim para quem mora no campo e na cidade.

Rafael Moya



A raiva das elites

3 de maio de 2010

Por João Pedro Stedile *



Recentemente, o IBGE divulgou os resultados do Censo Agropecuário, que revelaram uma triste realidade no campo brasileiro. A concentração da propriedade da terra continua aumentando.
Os latifundiários estão comprando cada vez mais terra. Apenas 15 mil fazendeiros — um pequeno bairro do Rio — possuem 98 milhões de hectares, o equivalente a quatro vezes o Estado de São Paulo. Muitos nem conhecem as fazendas. São banqueiros e industriais.

Há 16 milhões de trabalhadores na agricultura brasileira. Destes, 15 milhões trabalham na agricultura familiar, em pequenas unidades. E apenas 1,6 milhões conseguem emprego nas fazendas do agronegócio.

Cerca de 56% dos trabalhadores adultos são analfabetos. A renda média é 70% do salário mínimo. Temos quatro milhões de famílias sem terra, que trabalham para os outros. Destes, três milhões recebem bolsa família do governo para não passar fome.

Esses graves problemas sociais se resolveriam se houvesse um programa massivo de reforma agrária, como nos países desenvolvidos. Além da terra, organizando agroindústrias, cooperativas, escola e uso de técnicas agroecológicas.

O MST se dedica, há 25 anos, a organizar o povo para lutar pela reforma agrária. As elites não aceitam. Precisam que os pobres continuem pobres, ignorantes, não reclamem e trabalhem para eles continuarem ricos e mandando no país.

Dizem que o MST é perigoso, pois organiza os pobres. Os ricos nos atacam no Parlamento e na imprensa. Colocaram uma campanha milionária, nos cinemas, paga com dinheiro do povo, para atacar o MST. Felizmente, o povo sabe que temos razão. Seria fácil derrotar o MST. Basta fazer Reforma Agrária.

* Publicado originalmente no jornal O Dia, em 3 de maio de 2010.