22 novembro 2006

"Talvez nos encontremos de novo, mas
Ali onde você me deixou
Não me achará novamente"


Bertold Brecht

13 fevereiro 2006

A Flor e a Náusea

A Flor e a Náusea


Preso à minha classe e a algumas roupas,
Vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?
Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
Fundam-se no mesmo impasse.
Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.
Uma flor nasceu na rua!
Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais.
E soletram o mundo, sabendo que o perdem.
Crimes da terra, como perdoa-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.
Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
Garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

(Carlos Drummond de Andrade)

10 fevereiro 2006

Aos amigos tudo, aos inimigos... quais leis?

Esse texto eu publiquei em 2004 no jornal do DA da Facamp, por ocasião dos debates sobre a redução da maioridade penal.

comentem!

Rafael Moya



AOS AMIGOS TUDO, AOS INIMIGOS... QUAIS LEIS?


Muito em voga até alguns meses atrás, inclusive em toda mídia, a redução da maioridade penal suscitou acalorados debates, até mesmo com o “clamor” de 89% da sociedade. Se não fosse trágica, a questão seria engraçada, pois vejamos:

- O debate sobre a redução da maioridade penal iniciou-se, principalmente, após o terrível assassinato do casal de namorados que havia ido acampar, escondido dos pais. Alguém sabe quantos adolescentes são mortos por dia, no país, de forma horrível e brutal?

- Você sabia que de cada dez crimes cometidos no Brasil, apenas um tem como autor um menor de 18 anos, e de cada delito praticado por adolescente, 8% são homicídios. Por que ninguém pediu o endurecimento da lei quando – aqueles caras em Brasília – mataram um índio, queimando-o, só para “tirar uma onda”? Ou quando – aqueles outros caras – mataram um garçom, espancando-o em Porto Seguro? Ou para a Suzane Richthofen? Ou para motoristas que matam no trânsito (saiba que os acidentes de trânsito são uma das maiores causas de morte no Brasil)? Ou para funcionários públicos corruptos (um estudo do ministério do planejamento concluiu que a corrupção no Brasil já alcançou 181 bilhões de reais por ano, isto é, cerca de 12% do PIB) ou para esses mega empresários que sonegam milhões em impostos, pois provocam milhares de mortes, mesmo que indiretamente? Por quê?

- Por que o cardeal-arcebispo Dom Aloísio Lorscheider só apoiou a redução da maioridade penal e, a apresentadora Hebe Camargo e o rabino Henry Sobel pediram pena de morte, somente após o acontecido com o casal? Por que eles não tiveram essas – infelizes – idéias antes desse crime? Por quê?

- Por que não se lembram de aplicar a todos os adolescentes, o art. 227 da Constituição – a “lei maior” – que diz: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda e qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”, e o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) de forma plena e correta (para ficar só nestes exemplos)? Por quê?

- Não dizem que as prisões não recuperam ninguém e que são as “universidades do crime”? Por que querem jogar esses adolescentes lá? Será que é para dar tempo para que eles façam mestrado e doutorado? Por que não investem em escolas, em cultura, em emprego ao invés de investirem em armas, em policiamento, em presídios? Por quê?

Uma experiência que vem sendo realizada nas UIPs (Unidade de Internação Provisória) nas unidades da Febem – cujos eixos do projeto são ética, cidadania e identidade – demonstra resultados expressivos. Segundo Elisabeth Barolli, representante do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec) responsável pelo projeto, “Muitos dos resultados mostram que houve apropriação, por parte dos adolescentes, de noções, procedimentos e valores que sustentam a proposta curricular. Como explicar essas apropriações, levando em conta o curto intervalo de tempo a que ela se propõe a intervir?” Detalhe: esse projeto é realizado enquanto os adolescentes aguardam decisão do Poder Judiciário, ou seja, 45 dias, isso mesmo, apenas 45 dias! Por que não investem nesse projeto e ampliam seu tempo de duração? Por quê?

Sempre foi muito mais fácil, esconder debaixo do tapete a sujeira, colocar os pobres lá na periferia, bem longe. Construir presídios e amontoá-los lá. Só que o tapete está enchendo. Você ficou sabendo o que aconteceu no presídio Urso Branco em Roraima ou na Casa de detenção de Benfica (ironia do nome) no Rio de Janeiro? É aquele tipo de gente que a sociedade está criando.

Pesquisa feita pelo IPEA mostra a razão entre a renda dos 20 por cento mais ricos e a dos 20 por cento mais pobres, ou seja, quanto uma pessoa rica ganha mais que uma pessoa pobre em diversos países do mundo (Platão dizia que essa relação deveria ser 4). Segundo a pesquisa, na Holanda, um rico ganha 5,5 vezes mais que um pobre; nos EUA, 10 vezes mais; no Uruguai, 10 vezes mais, isso mesmo, no Uruguai. Já no Brasil... 30 vezes mais! Sabe, começo a entender o que os Racionais cantam.