24 junho 2013

Hoje a voz embargou e lágrimas rolaram

Hoje a voz embargou e lágrimas rolaram. Faz 8 anos que resolvi sair as ruas contra o preço da tarifa e qualidade dos ônibus de Campinas. Rapidamente notei o potencial transformador e incendiário que essa luta teria. As pessoas são extorquidas e humilhadas diariamente quando precisam de um ônibus. Um dia chorei ao entrar no setor de ortopedia da Unicamp e ver dezenas de jovens (quase sempre pardos e pobres) quebrados, mutilados, com gaiolas porque precisam de uma moto para se locomoverem o que poderia ser evitado se tivéssemos um transporte público justo. Ver mais de 100 mil pessoas tomarem São Paulo e 40 mil em Campinas e o país inteiro se levantando foi lindo. A movimentação dos reacionários e dessa classe média preconceituosa leitora da Veja me preocupou, mas nunca tirou minhas certezas.

Foram muitos atos debaixo de chuva, porrada da polícia, madrugadas em portas de garagens de ônibus, ridicularização e ataque de parte da imprensa. Ameaças. Foram centenas de palestras, debates, viagens, gastos que eu à época não tinha para pagar. Mas seguimos em frente.

Hoje, dia 24 de junho de 2013, ao ler a carta do MPL à Dilma enquanto a via anunciar a possibilidade de um plebiscito para uma reforma política, a convocação de dez mil médicos para os lugares mais necessitados desse país, o investimento de 50 bilhões de reais para mobilidade urbana, o Alckmin dizendo que não subiria os pedágios.... chorei.

Passou um filme em minha cabeça. Como quis abraçar meus companheiros de luta, alguns tão longe, outros já nem mais entre nós.

Não há nada ganho, nada decidido. A porta foi arrombada pelo povo. E numa hora surpreendente. Agora é hora de ocupar o poder nesse país. Não saiamos da rua, mas vamos canalizar nosso poder, esse poder magnífico do povo brasileiro.

Não será o Ministério Público ou o Judiciário que mudarão esse país. Somos nós, eu e você.

Aos papagaios da Veja e aos sectários esquerdistas, desculpem. A hora é de empurrarmos para frente esse país. É hora de avançarmos! Não é o fim. O jogo será duro. Os donos do poder vão se mobilizar. É só o começo. Mas agora com a porta devidamente aberta.


Rafael Moya

"Essa reunião com a presidenta foi arrancada pela força das ruas, que avançou sobre bombas, balas e prisões. Os movimentos sociais no Brasil sempre sofreram com a repressão e a criminalização. Até agora, 2013 não foi diferente: no Mato Grosso do Sul, vem ocorrendo um massacre de indígenas e a Força Nacional assassinou, no mês passado, uma liderança Terena durante uma reintegração de posse; no Distrito Federal, cinco militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) foram presos há poucas semanas em meio às mobilizações contra os impactos da Copa do Mundo da FIFA. A resposta da polícia aos protestos iniciados em junho não destoa do conjunto: bombas de gás foram jogadas dentro de hospitais e faculdades; manifestantes foram perseguidos e espancados pela Polícia Militar; outros foram baleados; centenas de pessoas foram presas arbitrariamente; algumas estão sendo acusadas de formação de quadrilha e incitação ao crime; um homem perdeu a visão; uma garota foi violentada sexualmente por policiais; uma mulher morreu asfixiada pelo gás lacrimogêneo. A verdadeira violência que assistimos neste junho veio do Estado – em todas as suas esferas." (Trecho da carta do MPL à Dilma)


"E, embora restrito a um foco único, é maximalista, como estamos vendo agora: a meta é a tarifa zero. Cuja razoabilidade demonstrada nas suas cartilhas de clareza igualmente máxima são exemplares como introdução prática à crítica da economia política. Pelo tênue fio da tarifa é todo o sistema que desaba, do valor da força de trabalho a caminho de seu local de exploração à violência da cidade segregada rumo ao colapso ecológico. Simples assim, por isso, fatal, se alcançar seu destinatário na hora social certa, como parece estar ocorrendo agora." (Paulo Arantes)


18 junho 2013

VIOLÊNCIAS E MOBILIDADE URBANA

Artigo publicado no jornal Correio Popular em 18 de junho de 2013.

Rafael Moya



VIOLÊNCIAS E MOBILIDADE URBANA


Novamente a pauta do transporte público vem a tona. Sejam pelas manifestações na cidade de São Paulo, seja pela redução da tarifa em Campinas. A discussão deve ser mais profunda do que tarifas e “vândalos”. A questão que os habitantes, de qualquer cidade média ou grande enfrentam, cotidianamente, é a da mobilidade urbana.



Segundo a matéria do Correio Popular de 13 de junho, em menos de cinco horas, os vereadores realizaram uma audiência pública e votaram a autorização para que a prefeitura financie 444 milhões de reais para a implantação do sistema BRT (Bus Rapid Transit). A pergunta que fica no ar é: qual foi a publicidade dessa audiência “pública”. Como um tema da maior relevância é tratado “a toque de caixa” pelos nobres edis? Se fossem perder algum tipo de prazo, porque não fizeram essa discussão antes com a sociedade garantindo assim a moralidade do processo?

Investimentos em transporte público não são a regra, pois em geral têm servido apenas para estimular ainda mais o transporte motorizado individual, como por exemplo, a redução de IPI para carros e motos realizado por Lula e mantido por Dilma. É só observarmos ainda que os investimentos em infraestrutura viária de Campinas são muito maiores do que em transporte público.

O custo social desse modelo de mobilidade urbana irracional é maior quando tratamos das questões de saúde pública e ambientais. São 60 mil mortes anuais no trânsito brasileiro sem contar a imensa ocupação do SUS por vítimas de acidentes no trânsito. Na questão ambiental, a Organização Mundial de Saúde, já alertou que a qualidade do ar da Região Metropolitana de Campinas é pior que a da Grande São Paulo, a maior parte dela decorrente das fontes móveis (veículos).


Neste bojo, a cidade foi surpreendida com o anúncio pelo prefeito Jonas de que reduzirá a tarifa do transporte público em 10 centavos.  Segundo outra matéria do Correio Popular também de 13 de junho, o prefeito alega que não atenderá ao pleito de aumentar o subsídio repassado aos empresários, que, segundo a lei orçamentária deste ano, prevê até 40 milhões de reais em repasses às empresas. Se o prefeito cumprir o prometido, de contratar uma empresa para realizar uma auditoria nas tarifas, permitindo também controle social desse levantamento, perceberá que a tarifa pode (e deve) reduzir ainda mais. Esta redução anunciada evidencia a total inconsistência na definição das políticas tarifárias, porém é uma sinalização importante de que as coisas podem ser diferentes.

O verdadeiro flagelo social que vivemos por conta da imposição de um modelo baseado no carro e na moto, é uma profunda violência a todos. Um transporte caro, desconfortável e ineficiente violenta cotidianamente os usuários e toda a sociedade.  O prefeito tem a oportunidade de, com a mudança substancial que o BRT trará ao sistema de transporte público e com essa redução de tarifa, de convocar setores da sociedade para criar uma comissão para investigar os reais custos do transporte público e fazer propostas para a redução das tarifas. Cidades do mundo que avançaram em um modelo de priorização do transporte coletivo tiveram que alterar a lógica da definição dos preços, desmercantilizando a discussão, buscaram ainda uma redefinição da ocupação urbana, tornando a cidade um lugar mais democrático.


Um transporte melhor interessa à esmagadora maioria das pessoas. Até mesmo aos que fizerem questão de continuar a usar carro ou moto cotidianamente, pois terão uma rua mais livre e sem tantos congestionamentos, além de um ar melhor para respirar. Para aqueles que ousam sair do aperto e das demoras dos ônibus e reivindicam melhorias e preços justos, cabe a pergunta: como fazer para que a sociedade apoie a reivindicação, já que, em regra, as políticas públicas vêm no sentido contrário? Esse é o grande desafio já que os que ganham com esse sistema atual de coisas atuam de maneira eficiente e subvertem pautas e lutas legítimas. Com ou sem manifestações de rua, a depredação socioambiental acontece diariamente com esse modelo de mobilidade urbana que temos. Os fatos demonstram que o trânsito caótico em nossas cidades é causado pelas opções políticas de nossos governantes, e as vítimas somos todos nós. Segundo o ex-prefeito que introduziu os BRT´s em Bogotá, Enrique Peñalosa, em 1998, “Mobilidade é uma questão política. Os aspectos técnicos são fáceis de resolver. Difícil é escolher, politicamente, quem será beneficiado.”

Rafael Moya

Advogado, presidente do COMDEMA Campinas e mestrando em Engenharia Urbana pela UFSCAR

Coleta Seletiva Solidária

Artigo publicado no jornal Correio Popular.

Rafael Moya


Coleta Seletiva Solidária


No Brasil, a gestão dos resíduos sólidos está sob domínio de algumas poucas grandes empresas, para as quais os poderes públicos municipais terceirizam os serviços de limpeza pública. Segundo dados do IBGE (2010), esse tipo de contrato chega a representar 20% dos orçamentos municipais. Conforme diferentes denúncias provenientes do movimento de catadores, de gestores públicos e de urbanistas renomados, esse modelo tem custo muito elevado, é pouco eficiente do ponto de vista da gestão e apresenta graves problemas do ponto de vista ambiental, uma vez que não prioriza a reciclagem.

Em oposição a esse modelo alguns municípios brasileiros estão colocando em prática a coleta seletiva solidária. Nessas cidades as prefeituras contratam cooperativas de catadores de materiais recicláveis para prestarem o serviço de coleta seletiva. Dessa forma, o governo municipal articula a gestão dos resíduos sólidos com preservação ambiental e inclusão social. 

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), aprovada em 2010 após quase 20 anos de tramitação no congresso, reafirma a possibilidade de tratar a questão dos resíduos sólidos também a partir de sua esfera social. Dessa forma, leva em consideração a existência de milhares de pessoas que tiram do “lixo” seu sustento, e reconhece os imensos benefícios ambientais que trazem com seu trabalho. Neste sentido, a PNRS garante prioridade às cooperativas e associações de catadores na prestação de serviços ao poder público. Outro importante benefício da lei é trazer o princípio do protetor-recebedor em matéria ambiental, abrindo a possibilidade dos catadores serem remunerados pelos serviços ambientais prestados, garantindo assim igualdade de condições perante as empresas que já recebem por serviços semelhantes e com muito menos eficiência.

As cidades de Araraquara, São Carlos, São José do Rio Preto, Diadema, Biritiba Mirim, Arujá, Assis e Ourinhos no estado de São Paulo; Londrina no estado do Paraná, Itaúna no estado de Minas Gerais, Santa Cruz do Sul, Canoas, Jaguarão, Cachoeira do Sul e Gravataí no estado do Rio Grande do Sul, que instituíram a coleta seletiva solidária, estão consolidando uma forma democrática, socialmente justa e ambientalmente correta de gestão dos resíduos sólidos urbanos.

Nessas cidades sobram bons exemplos de como colocar a coleta seletiva solidária em prática. Na maioria dos casos o esclarecimento sobre como separar o material reciclável e quando disponibilizá-lo na rua é feito porta a porta. Nessa ocasião, o catador ou a catadora responsável se apresenta ao morador. Essa é uma das características do serviço público quando desempenhado segundo os princípios da Economia Solidária. O envolvimento entre comunidade e trabalhador vai além da execução da atividade de coleta. Sentidos e expectativas são partilhados nesse contato. A comunidade sabe que, ao separar adequadamente o resíduo residencial, está contribuindo para a preservação ambiental e para a inclusão social. Muitas vezes o catador já é conhecido pelos moradores e é com satisfação que constatam que é em uma nova condição que bate à suas portas dessa vez. São agora trabalhadores reconhecidos pelo poder público e remunerados pelo serviço prestado. Essa é uma conquista de toda a sociedade.

A coleta seletiva solidária não se limita a contratação da cooperativa de catadores pela prefeitura, mas implica a gestão participativa de todo o processo. É preciso consolidar essa nova forma de lidar com os resíduos sólidos. O jeito de coletar é diferente, o caminhão é outro, a relação com a comunidade é mais intensa, a forma de remuneração obedece a outros princípios. Uma parte dessa consolidação passa necessariamente pela experimentação. A reflexão coletiva sobre a experiência do trabalho solidário, feita nos espaços de gestão participativa, em que participam catadores, gestores públicos, professores universitários, estudantes e ambientalistas permite realizar os ajustes necessários. São esses elementos que o tornam um processo de gestão inovador.

O caminho já está sendo trilhado em muitos lugares. Há anos as cooperativas de Campinas agonizam pela falta de apoio do poder público. Algumas até encerraram suas atividades ante a ausência de espaços adequados para se instalarem. Campinas precisa decidir se vai organizar a gestão dos resíduos sólidos a partir das necessidades sociais e ambientais ou se continuará varrendo a sujeira para debaixo do tapete.

Ioli Gewehr Wirth
Doutoranda em Ciências Sociais da UNICAMP

Rafael Moya
Presidente do COMDEMA Campinas e Mestrando em Engenharia Urbana da UFSCAR