16 dezembro 2011

Planejamento urbano de Campinas

Entrevista à rádio CBN Campinas sobre a elaboração dos Planos Locais de Gestão das Macrozonas de Campinas.

Rafael Moya.



http://www.portalcbncampinas.com.br/audio.php?noticia=43980

Presidente do Conselho Municipal de Meio Ambiente de Campinas explica as polêmicas Macrozonas   CBN Campinas FM 99,1 A rádio que toca notícia

Presidente do Conselho Municipal de Meio Ambiente de Campinas explica as polêmicas Macrozonas CBN Campinas FM 99,1 A rádio que toca notícia

ORÇAMENTO E SUSTENTABILIDADE

Artigo publicado no Jornal Correio Popular em 16 de dezembro de 2011.


Rafael Moya







ORÇAMENTO E SUSTENTABILIDADE
 
Em conhecida frase, o jurista italiano Norberto Bobbio disse que já não estávamos no momento de positivarmos direitos, mas sim de garanti-los. O ordenamento jurídico brasileiro é cheio de leis progressistas, mas, em geral, não são aplicadas. Em muitos casos não se garantem condições para que elas sejam implementadas. Não fogem a regra as questões ambientais. Uma das maneiras de se fazer com que leis não sejam cumpridas é não direcionar recursos orçamentários necessários para sua efetivação. Em Campinas a Lei Orçamentária Anual está para ser votada pela Câmara de Vereadores.
 
O orçamento da cidade será de cerca de 3 bilhões de reais. Ao analisar a proposta enviada pelo prefeito Demétrio Vilagra à Câmara, é possível que qualquer cidadão preocupado com a qualidade de vida no município se assuste. Caso a proposta do prefeito seja mantida, a Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Urbano terá um corte de 39%, a de Urbanismo um corte de 4%. Estes cortes são graves na medida em que os empreendimentos imobiliários só fazem crescer.  A Secretaria de Serviços Públicos responsável em cuidar de nossos combalidos parques e jardins também terá cortes. Quando andamos pelo Taquaral, Parque Ecológico, Bosque dos Jequitibás é de dar dó. No Largo do Café sequer podemos andar.
 
Na Secretaria de Meio Ambiente o problema é ainda mais grave. Apesar de certo aumento, o orçamento continua pífio. Para todo o ano de 2012 prevê-se um orçamento de cerca de 6 milhões de reais. É menos que 0,3%. Apenas para efeito de comparação, a secretaria de esportes receberá mais de 36 milhões de reais. Campinas optou por fazer licenciamentos ambientais municipais. Para tanto não é possível que isto seja feito de maneira séria se não garantirmos recursos para tanto. Continuaremos a ver obras irregulares, até mesmo em áreas contaminadas. As grandes obras previstas na cidade não poderão ser analisadas de maneira que a população possa ter condições de avaliar seus impactos se não garantirmos que o poder público tenha condições materiais de atuar.
 
É neste sentido que na última reunião do Conselho Municipal de Meio Ambiente de Campinas (COMDEMA), por unanimidade, os conselheiros manifestaram preocupação com o orçamento proposto para 2012. Ao garantirmos uma cidade ambientalmente justa e planejada, teremos impactos positivos na saúde, na segurança, nos serviços públicos, no lazer, na mobilidade urbana. A queda da qualidade de vida em Campinas é vista a olho nu. Está na hora de revertermos isto.
 
As tarefas para uma cidade sustentável são muitas. Campinas precisa construir um Atlas Ambiental, um plano de gerenciamento em resíduos sólidos sob a luz da Política Nacional de Resíduos Sólidos, bons planos locais de gestão das macro-regiões da cidade, resolver à questão da arborização urbana, cuidar de nossa APA, nossos parques precisam ser recuperados e criarmos outros, entre tantas tarefas. Uma das formas mais eficientes para que se impeça que tudo isso aconteça é retirar os recursos necessários à sua efetivação.
 
Os vereadores podem rever mais este duro golpe no desenvolvimento sustentável de Campinas. Eles já demonstraram que podem ser muito arrojados quando priorizam algumas questões, como foi o caso do aumento de seus próprios salários. Aliás, para o orçamento da Câmara Municipal está previsto um aumento de 17%.
 
Uma cidade ambientalmente saudável interessa a todas as pessoas. Campinas não pode continuar na contramão da história. Não podemos mais nos contentar com belas declarações de direitos, é necessário lutarmos por sua efetivação.
 
E assim nos ensinava Bobbio: “Não se trata de saber quais e quantos são estes direitos,(...) mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.”
 
Rafael Moya, advogado, Presidente do COMDEMA Campinas
www.rafaelmoya.blogspot.com

12 novembro 2011

A tinta vermelha

Discurso do filósofo esloveno Slavoj Zizek na manifestação em Wall Street.


A TINTA VERMELHA
por Slavoj Zizek



Não se apaixonem por si mesmos, nem pelo momento agradável que estamos tendo aqui. Carnavais custam muito pouco – o verdadeiro teste de seu valor é o que permanece no dia seguinte, ou a maneira como nossa vida normal e cotidiana será modificada. Apaixone-se pelo trabalho duro e paciente – somos o início, não o fim. Nossa mensagem básica é: o tabu já foi rompido, não vivemos no melhor mundo possível, temos a permissão e a obrigação de pensar em alternativas. Há um longo caminho pela frente, e em pouco tempo teremos de enfrentar questões realmente difíceis – questões não sobre aquilo que não queremos, mas sobre aquilo que QUEREMOS. Qual organização social pode substituir o capitalismo vigente? De quais tipos de líderes nós precisamos? As alternativas do século XX obviamente não servem.

Então não culpe o povo e suas atitudes: o problema não é a corrupção ou a ganância, mas o sistema que nos incita a sermos corruptos. A solução não é o lema “Main Street, not Wall Street”, mas sim mudar o sistema em que a Main Street não funciona sem o Wall Street. Tenham cuidado não só com os inimigos, mas também com falsos amigos que fingem nos apoiar e já fazem de tudo para diluir nosso protesto. Da mesma maneira que compramos café sem cafeína, cerveja sem álcool e sorvete sem gordura, eles tentarão transformar isto aqui em um protesto moral inofensivo. Mas a razão de estarmos reunidos é o fato de já termos tido o bastante de um mundo onde reciclar latas de Coca-Cola, dar alguns dólares para a caridade ou comprar um cappuccino da Starbucks que tem 1% da renda revertida para problemas do Terceiro Mundo é o suficiente para nos fazer sentir bem. Depois de terceirizar o trabalho, depois de terceirizar a tortura, depois que as agências matrimoniais começaram a terceirizar até nossos encontros, é que percebemos que, há muito tempo, também permitimos que nossos engajamentos políticos sejam terceirizados – mas agora nós os queremos de volta.


Dirão que somos “não americanos”. Mas quando fundamentalistas conservadores nos disserem que os Estados Unidos são uma nação cristã, lembrem-se do que é o Cristianismo: o Espírito Santo, a comunidade livre e igualitária de fiéis unidos pelo amor. Nós, aqui, somos o Espírito Santo, enquanto em Wall Street eles são pagãos que adoram falsos ídolos.


Dirão que somos violentos, que nossa linguagem é violenta, referindo-se à ocupação e assim por diante. Sim, somos violentos, mas somente no mesmo sentido em que Mahatma Gandhi foi violento. Somos violentos porque queremos dar um basta no modo como as coisas andam – mas o que significa essa violência puramente simbólica quando comparada à violência necessária para sustentar o funcionamento constante do sistema capitalista global?


Seremos chamados de perdedores – mas os verdadeiros perdedores não estariam lá em Wall Street, os que se safaram com a ajuda de centenas de bilhões do nosso dinheiro? Vocês são chamados de socialistas, mas nos Estados Unidos já existe o socialismo para os ricos. Eles dirão que vocês não respeitam a propriedade privada, mas as especulações de Wall Street que levaram à queda de 2008 foram mais responsáveis pela extinção de propriedades privadas obtidas a duras penas do que se estivéssemos destruindo-as agora, dia e noite – pense nas centenas de casas hipotecadas…


Nós não somos comunistas, se o comunismo significa o sistema que merecidamente entrou em colapso em 1990 – e lembrem-se de que os comunistas que ainda detêm o poder atualmente governam o mais implacável dos capitalismos (na China). O sucesso do capitalismo chinês liderado pelo comunismo é um sinal abominável de que o casamento entre o capitalismo e a democracia está próximo do divórcio. Nós somos comunistas em um sentido apenas: nós nos importamos com os bens comuns – os da natureza, do conhecimento – que estão ameaçados pelo sistema.


Eles dirão que vocês estão sonhando, mas os verdadeiros sonhadores são os que pensam que as coisas podem continuar sendo o que são por um tempo indefinido, assim como ocorre com as mudanças cosméticas. Nós não estamos sonhando; nós acordamos de um sonho que está se transformando em pesadelo. Não estamos destruindo nada; somos apenas testemunhas de como o sistema está gradualmente destruindo a si próprio. Todos nós conhecemos a cena clássica dos desenhos animados: o gato chega à beira do precipício e continua caminhando, ignorando o fato de que não há chão sob suas patas; ele só começa a cair quando olha para baixo e vê o abismo. O que estamos fazendo é simplesmente levar os que estão no poder a olhar para baixo…


Então, a mudança é realmente possível? Hoje, o possível e o impossível são dispostos de maneira estranha. Nos domínios da liberdade pessoal e da tecnologia científica, o impossível está se tornando cada vez mais possível (ou pelo menos é o que nos dizem): “nada é impossível”, podemos ter sexo em suas mais perversas variações; arquivos inteiros de músicas, filmes e seriados de TV estão disponíveis para download; a viagem espacial está à venda para quem tiver dinheiro; podemos melhorar nossas habilidades físicas e psíquicas por meio de intervenções no genoma, e até mesmo realizar o sonho tecnognóstico de atingir a imortalidade transformando nossa identidade em um programa de computador. Por outro lado, no domínio das relações econômicas e sociais, somos bombardeados o tempo todo por um discurso do “você não pode” se envolver em atos políticos coletivos (que necessariamente terminam no terror totalitário), ou aderir ao antigo Estado de bem-estar social (ele nos transforma em não competitivos e leva à crise econômica), ou se isolar do mercado global etc. Quando medidas de austeridade são impostas, dizem-nos repetidas vezes que se trata apenas do que tem de ser feito. Quem sabe não chegou a hora de inverter as coordenadas do que é possível e impossível? Quem sabe não podemos ter mais solidariedade e assistência médica, já que não somos imortais?


Em meados de abril de 2011, a mídia revelou que o governo chinês havia proibido a exibição, em cinemas e na TV, de filmes que falassem de viagens no tempo e histórias paralelas, argumentando que elas trazem frivolidade para questões históricas sérias – até mesmo a fuga fictícia para uma realidade alternativa é considerada perigosa demais. Nós, do mundo Ocidental liberal, não precisamos de uma proibição tão explícita: a ideologia exerce poder material suficiente para evitar que narrativas históricas alternativas sejam interpretadas com o mínimo de seriedade. Para nós é fácil imaginar o fim do mundo – vide os inúmeros filmes apocalípticos –, mas não o fim do capitalismo.

Em uma velha piada da antiga República Democrática Alemã, um trabalhador alemão consegue um emprego na Sibéria; sabendo que todas as suas correspondências serão lidas pelos censores, ele diz para os amigos: “Vamos combinar um código: se vocês receberem uma carta minha escrita com tinta azul, ela é verdadeira; se a tinta for vermelha, é falsa”. Depois de um mês, os amigos receberam a primeira carta, escrita em azul: “Tudo é uma maravilha por aqui: os estoques estão cheios, a comida é abundante, os apartamentos são amplos e aquecidos, os cinemas exibem filmes ocidentais, há mulheres lindas prontas para um romance – a única coisa que não temos é tinta vermelha.” E essa situação, não é a mesma que vivemos até hoje? Temos toda a liberdade que desejamos – a única coisa que falta é a “tinta vermelha”: nós nos “sentimos livres” porque somos desprovidos da linguagem para articular nossa falta de liberdade. O que a falta de tinta vermelha significa é que, hoje, todos os principais termos que usamos para designar o conflito atual – “guerra ao terror”, “democracia e liberdade”, “direitos humanos” etc. etc. – são termos FALSOS que mistificam nossa percepção da situação em vez de permitir que pensemos nela. Você, que está aqui presente, está dando a todos nós tinta vermelha.

09 novembro 2011

A morte do cinegrafista da Band e os fatos na USP estão ligados


A morte do cinegrafista da Band e os fatos na USP estão ligados

por Rafael Moya, novembro de 2011.

“Aqueles que abrem mão da liberdade essencial por um pouco de segurança temporária não merecem nem liberdade nem segurança.” (Benjamin Franklin)

Mais uma vez a elite brasileira demonstra como sabe controlar o Brasil. Esses dias a morte do cinegrafista da Band e os fatos na USP têm me incomodado muito. E creio que ambos estão intimamente ligados. Senão vejamos.

Faz tempo que a elite brasileira quer intervir policialescamente na USP, em outras universidades, e em todos os espaços onde se têm formado lideranças que colocam em xeque as políticas implementadas no país. Como as tentativas de cooptação do movimento estudantil, via União Nacional dos Estudantes (UNE), não surtiram efeito na base das universidades públicas, como o processo de desmonte destas Universidades vem sendo combatido pelos estudantes, funcionários e parcos (mais valorosos) professores, a tática mudou. Agora é por a polícia militar no Campus.

Com a justificativa de combater a violência no campus - violência esta muito abaixo dos índices de criminalidade vistos na cidade de São Paulo – o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e o reitor João Grandino Rodas (ex-diretor da Faculdade de Direito e que não foi o mais votado pela comunidade acadêmica mesmo assim sendo escolhido pelo então governado José Serra (PSDB)) não perderam a chance de por em prática o que já sonhavam faz tempo, o controle policial ostensivo principalmente nas Faculdades “subversivas”, aquelas onde estão os “vagabundos e maconheiros”. Aliás, isso me faz lembrar uma música do Cazuza:

“Me chamam de ladrão, de bicha e maconheiro,
transformam o país inteiro num puteiro,
pois assim se ganha mais dinheiro”

É justo que a grande maioria dos estudantes reivindiquem segurança no campus. Mas é só observarmos a realidade (não apenas pelos óculos da grande mídia), que notaremos que o policiamento ostensivo puro e simples não resolve o problema da violência. A USP não conta sequer com iluminação adequada. Vejam bem, uma coisa é a violência de assalto e estupros, outra coisa é o uso de drogas (lícitas ou ilícitas) no campus, pois isso é um outro debate. Qual foi a primeira ação da PM nesse novo estado de “paz” dentro da USP? Prendeu algum “crápula, terrível, brutal, monstruoso, bandido”? Evitou um estupro ou homicídio? Não. Prendeu alguns estudantes que fumavam seus cigarros de maconha. Está certo? Talvez, pois assim diz a lei. Mas e os “bandidos”?

A universidade moderna tem como base a idéia de autonomia do saber ante a religião e o Estado. Elementos esses que contribuiriam para uma produção e difusão do saber livre. Assim o que está em jogo é muito mais do que “o desejo de meia dúzia de maconheiros de fazerem o que querem na universidade”, o que está em jogo é a liberdade de expressão, de pensamento. E isso não é perfumaria! 

Nossa Constituição Federal, no art. 207, define características fundamentais da autonomia universitária. Entre elas está a autonomia administrativa, ou seja, inclusive quanto sua segurança. Segundo o Prof. José Luiz Quadros Magalhães, em sua tese de doutorado na UFMG: “A autonomia universitária (...) tem características especiais que fazem com que possamos classificá-las como autonomias de garantia de democracia ao lado do Ministério Público.” Portanto essa norma “desvincula” a universidade do governo, permitindo que ela permaneça produzindo de forma livre o saber plural, distante de eventuais interferências diretas ou indiretas, mais ou menos autoritárias. Mas os fatos me remetem a outra música, agora é Legião Urbana:

“Ninguém respeita a constituição,
mas todos acreditam no futuro da nação,
Que país é esse?”

Mas o que isso tem a ver com a morte do cinegrafista da Bandeirantes? Ambos os fatos remetem a uma corrosão da nossa democracia. Com a morte do cinegrafista (onde inclusive o sindicato dos jornalistas está questionando a qualidade do colete a prova de balas que ele usava), a imprensa está bradando aos quatro ventos mais repressão aos bandidos, dureza das ações, força, pólvora, sangue etc.! Ao mesmo tempo vi na imprensa um policial militar de alta patente dizendo que “isso é para vermos que em alguns lugares a imprensa não pode entrar. É muito perigoso.” Ou seja, ninguém precisa saber o que acontece em alguns lugares. Principalmente se for na favela, com os sem-direitos, sem-dignidade.

Tenho observado princípios democráticos sendo corroídos a olho nu. O mais curioso, e dramático, é que isso é perpetrado por setores que, independente das profundas divergências políticas, valem-se desta democracia que eles ajudam a empurrar ao precipício. Sejam os políticos “eleitos”, seja a imprensa “livre”. É um tiro no pé, no deles e principalmente, no nosso.

Mais uma vez a elite brasileira faz escola. Eles não permitirão no Brasil uma Grécia, um Egito ou um Chile. Caso a crise que se abate sobre boa parte do mundo chegue aqui, as coisas já estarão devidamente “pacificadas”.

Não podemos ser coniventes.

27 outubro 2011

O FUTURO QUE QUEREMOS


Meu artigo publicado no jornal Correio Popular de 27 de outubro.

O FUTURO QUE QUEREMOS

O “desenvolvimento” econômico trouxe muitos desafios para a qualidade de vida da grande maioria da população. A Organização Mundial de Saúde apontou que a qualidade do ar da Região Metropolitana de Campinas é pior que o ar da Grande São Paulo. Mobilidade urbana, qualidade da água e do ar, espaços públicos, arborização urbana, ocupação do solo etc., são temas urgentes. Democratizamos bens de consumo, informação (e não formação), mas também violência, caos nas cidades, queda na qualidade de vida. Com tais desafios, devemos pensar e aperfeiçoar mecanismos de participação da população na coisa pública, cobrando (e contribuindo para) o aperfeiçoamento e mudanças das instituições. A Constituição Federal de 1988 abriu canais para que possamos superar a democracia representativa e avançarmos para a democracia participativa. A legislação ambiental brasileira é um espaço privilegiado de participação da sociedade nas decisões do Estado. É neste contexto que se insere o Conselho Municipal de Meio Ambiente de Campinas (COMDEMA). 

Os Conselhos devem ser espaços onde a sociedade civil possa acompanhar e formular políticas públicas. Hoje os conselhos são o principal canal de participação popular encontrado nas três instâncias de governo (federal, estadual e municipal). 

O COMDEMA deve cobrar do Executivo e do Legislativo que não renunciem ao planejamento público de nossa cidade em prol do planejamento privado.  Atrás de um grande projeto há um plano ou esquema global de cidade: há sempre uma vontade política de ação ou omissão. A lógica da desordem se completa com o caráter predatório do modelo, que condena a cidade como todo a um padrão insustentável do ponto de vista ambiental e econômico.

Campinas está hoje despreparada, material, social e institucionalmente, para um desenvolvimento econômico que se paute pela dinâmica da inovação, na economia do conhecimento e na eficiência que devem mobilizar toda a sociedade. O motor do crescimento da cidade, e de toda RMC, não pode continuar a ser um modelo que já se mostrou saturado. Nossa cidade - ainda - possui as credenciais para ser um exemplo de desenvolvimento sustentável. As grandes e pequenas obras devem estar em consonância com a legislação municipal, estadual e federal. Desenvolve-se a cidade sem que se passe a ter condições de infraestrutura necessária ao assentamento de parcelas da população. Junto à falta de condições de habitabilidade, pela insustentabilidade das condições materiais, assinala-se também um descaso com os espaços naturais fundamentais na perspectiva de serem áreas mitigadoras dos efeitos da urbanização intensiva. Foi levando em consideração estas questões que Toninho, prefeito assassinado de Campinas, criou o COMDEMA por meio da lei 10841 em 2001.

Aos poucos, Campinas se recupera da mais grave crise política de sua história. A sociedade se mobilizou e, aos poucos, começa a pensar alternativas e a fazer um balanço dos últimos anos. Não se trata de fazer do COMDEMA uma trincheira anti-governo ou anti-obras. Também não se trata de objetivar travar os empreendimentos imobiliários da cidade. Se trata sim, de atuar na defesa intransigente da legalidade, da transparência, da moralidade e da legislação ambiental. Trata-se de garantir a liberdade da discussão e que as decisões do Conselho contribuam com a melhora de vida da esmagadora maioria da população de Campinas. É fundamental abrirmos canais de diálogo não apenas com o Executivo, mas também com diversos órgãos do Estado. Não defendo um COMDEMA estreito, sectário, inconseqüente e distante das dinâmicas sociais. Escolher este caminho seria ignorar a importância estratégica do Conselho. Lembrando Celso Furtado, nas metrópoles estão concentrados os processos que interrompem a nossa construção como nação. A pergunta que devemos nos fazer é qual é o cenário para o futuro? Que futuro estamos construindo?

Rafael Moya
Advogado, Presidente do COMDEMA 2011/2013.
presidencia.comdema@gmail.com


08 outubro 2011

A enxurrada de enganosas grandes ideias

A enxurrada de enganosas grandes ideias
No mundo pós-ideia, recebemos trilhões de dados, muitas vezes insignificantes, sem parar para pensar


21 de agosto de 2011


Neal Gabler, do The New York Times - O Estado de S.Paulo

O número de julho/agosto de The Atlantic alardeia as "14 Maiores Ideias do Ano". Prenda o fôlego. As ideias incluem "Os jogadores são os donos do jogo" (n.º 12), "Wall Street: a mesma de sempre" (n.º 6), "Nada permanece secreto!" (n.º 2), e a maior de todas do ano, "A ascensão da classe média - só que não a nossa", que se refere às economias em crescimento de Brasil, Rússia, Índia e China.

Pode soltar o ar. O leitor deve achar que nenhuma dessas ideias parece particularmente de tirar o fôlego. Nenhuma delas, aliás, é uma ideia.

Elas são mais observações. Mas não se deve culpar The Atlantic por confundir lugares comuns com visão intelectual. As ideias simplesmente não são o que costumavam ser. Em um passado distante, elas podiam acender debates, estimular outros pensamentos, incitar revoluções e mudar fundamentalmente as maneiras como observamos e pensamos o mundo.


Elas podiam penetrar na cultura geral e transformar pensadores em celebridades - notadamente Albert Einstein, mas também Reinhold Niebuhr, Daniel Bell, Betty Friedan, Carl Sagan e Stephen Jay Gould, para citar alguns. As próprias ideias podiam se tornar famosas: por exemplo, "o fim da ideologia", "o meio é a mensagem", "a mística feminina", "a teoria do Big Bang", "o fim da história". A grande ideia podia ganhar a capa da revista Time - "Deus está morto?" - e intelectuais como Norman Mailer, William F. Buckley Jr. e Gore Vidal seriam eventualmente convidados para as poltronas dos talk shows de fim de noite. Isso foi há uma eternidade.

Se nossas ideias parecem menores hoje, não é porque somos mais burros do que nossos antepassados, mas simplesmente porque não ligamos tanto para as ideias quanto eles ligavam. Aliás, estamos vivendo cada vez mais em um mundo pós-ideia - um mundo em que as ideias grandes, as que fazem pensar, que não podem ser instantaneamente monetizadas, têm tão pouco valor intrínseco que menos pessoas as estão gerando e menos canais as estão disseminando, a despeito da internet. As ideias ousadas estão praticamente fora de moda.
Argumento lógico. Não é segredo, especialmente nos Estados Unidos, que vivemos numa era pós-Iluminismo na qual racionalidade, ciência, argumento lógico e debate perderam a batalha em muitos setores e, talvez, até na sociedade em geral, para superstição, fé, opinião e ortodoxia. Embora continuemos fazendo avanços tecnológicos gigantescos, podemos estar na primeira geração que girou para trás o relógio da história - que retrocedeu intelectualmente de modos avançados de pensar para os velhos modos das crenças. Mas pós-Iluminismo e pós-ideia, embora relacionados, não são exatamente a mesma coisa.

Pós-Iluminismo refere-se a um estilo de pensar que já não mobiliza as técnicas do pensamento racional. Pós-ideia refere-se ao pensar que não é mais feito, independentemente do estilo.

O mundo pós-ideia vem se aproximando faz tempo, e muitos fatores contribuíram para isso. Vemos o recuo nas universidades do mundo real, e um encorajamento, e premiação, da especialização mais estreita em lugar da ousadia - de cuidar de plantas envasadas em vez de plantar florestas.


Vemos o eclipse do intelectual público na mídia em geral pelo sabichão que substitui extravagâncias por ponderação, e o concomitante declínio do ensaio em revistas de interesse geral. E temos a ascensão de uma cultura cada vez mais visual, especialmente entre os jovens - uma forma menos favorável à expressão de ideias.

Mas esses fatores, que começaram há décadas, foram mais provavelmente arautos do advento de um mundo pós-ideia que suas causas principais.

Vivemos na muito alardeada Era da Informação. Por cortesia da internet, temos a impressão de ter acesso imediato a tudo que alguém poderia querer saber. Certamente somos mais bem informados em história, ao menos quantitativamente. Há trilhões e trilhões de bytes circulando no éter - tudo para ser colhido e ser objeto de pensamento.
E é precisamente essa a questão. No passado, nós colhíamos informações não só para saber coisas. Isso era apenas o começo. Nós também colhíamos informações para convertê-las em alguma coisa maior que fatos e, em última análise, mais útil - em ideias que explicavam as informações. Buscávamos não só apreender o mundo, mas realmente compreendê-lo, que é a função primordial das ideias. Grandes ideias explicam o mundo e nos explicam uns aos outros.


Karl Marx chamou a atenção para a relação entre os meios de produção e nossos sistemas sociais e políticos. Sigmund Freud nos ensinou a explorar nossas mentes como meio para compreender nossas emoções e comportamentos. Einstein reescreveu a física. Mais recentemente, Marshall McLuhan teorizou sobre a natureza da comunicação moderna e seu efeito na vida moderna. Essas ideias permitiram que nos desprendêssemos de nossa existência e tentássemos responder as grandes e atemorizantes questões de nossas vidas.

Mas se a informação foi um dia um alimento de ideias, na última década ela se tornou sua concorrente. Estamos como o agricultor que possui trigo demais para fabricar farinha. Somos inundados por tanta informação que não teríamos tempo para processá-la mesmo que o quiséssemos, e a maioria de nós não quer.

A coleta em si é cansativa: o que cada um de nossos amigos está fazendo neste particular momento, e no momento seguinte, e no seguinte; com quem Jennifer Aniston está saindo agora; qual video se tornará viral no YouTube neste momento; o que a princesa Letizia ou Kate Middleton estão usando hoje. Aliás, estamos vivendo dentro da nuvem de uma Lei de Gresham informática onde informações triviais expulsam informações significativas, mas trata-se também uma lei de Gresham nocional em que as informações, triviais ou não, expulsam ideias.

Preferimos conhecer a pensar porque o conhecer tem mais valor imediato.


Ele nos mantém "por dentro", nos mantém conectados com nossos amigos e nossa tribo. As ideias são tão etéreas, tão pouco práticas, trabalho demais para recompensa de menos. Poucos falam ideias. Todos falam informação, geralmente informação pessoal. Onde é que você vai? O que está fazendo? Quem você anda vendo? Estas são as grandes questões de hoje.

Não é por acaso, com certeza, que o mundo pós-ideia brotou com o mundo das redes de relacionamento social. Apesar de haver sites e blogs dedicados a ideias, Twitter, Facebook, Myspace, etc ., os sites mais populares na web, são basicamente bolsas de informações destinadas a alimentar a fome insaciável de informação, embora essa dificilmente seja do tipo de informação que gera ideias. Ela é, em grande parte, inútil exceto na medida em que faz o possuidor da informação se sentir, bem... informado. Evidentemente, pode-se argumentar que esses sites não são diferentes do que a conversa era para gerações anteriores, e a conversa raramente criava grandes ideias, e se estaria certo.

Mas a analogia não é perfeita. Em primeiro lugar, os sites de relacionamento social são a principal forma de comunicação entre jovens, e estão suplantando os meios impressos, que é onde as ideias eram tipicamente gestadas. Depois, os sites de relacionamento social criam hábitos mentais que são inimigos do tipo de discurso deliberado que dá origem a ideias. Em lugar de teorias, hipóteses e argumentos importantes, obtemos tuítes instantâneos de 140 caracteres sobre comer um sanduíche ou assistir um programa de TV.

Universo intelectual. Embora as redes sociais possam alargar o círculo pessoal de alguém e até apresentá-lo a estranhos, isso não é mesma coisa que alargar o universo intelectual pessoal. Aliás, a tagarelice das redes sociais tende a encolher o universo da pessoa a ela mesma e seus amigos, enquanto pensamentos organizados em palavras, seja online seja na página impressa, alargam o foco pessoal.

Parafraseando o ditado famoso, geralmente atribuído ao jogador de beisebol americano "Yogi" Berra, de que não dá para pensar e rebater ao mesmo tempo, também não se pode pensar e tuitar ao mesmo tempo, não por ser impossível fazer tarefas múltiplas, mas porque tuitar - que é, em grande parte, um jorro, ou de opiniões breves sem sustentação, ou de descrições breves das próprias atividades prosaicas - é uma forma de distração e anti-pensamento.

As implicações para uma sociedade que não pensa grande são enormes. As ideias não são meros brinquedos intelectuais. Elas têm consequências práticas.


Um artista amigo lamentou recentemente que sentia o mundo da arte à deriva, pois não havia mais grandes críticos como Harold Rosenberg e Clement Greenberg para oferecer teorias da arte que poderiam fazer a arte frutificar e se revigorar. Outro amigo desenvolveu um argumento parecido sobre política. Embora os partidos debatam sobre quanto cortar no orçamento, ele gostaria de saber onde estão os John Rawises e Robert Nozicks que poderiam elevar o nível de nossa política.

Abundância de dados. O mesmo seguramente poderia ser dito da economia, onde John Maynard Keynes continua sendo o centro do debate quase 80 anos depois de propor sua teoria de injeção de estímulos pelo governo. Isso não significa que os sucessores de Rosenberg, Rawls e Keynes não existam, apenas que, se existirem, eles provavelmente não ganharão tração numa cultura que tem tão pouco uso para ideias, especialmente as grandes, excitantes e perigosas, e isso é verdade quer as ideias venham de acadêmicos ou de outros que não fazem parte de organizações de elite e desafiam a sabedoria convencional. Todos os pensadores são vítimas da abundância de informação, e as ideias dos pensadores de hoje também são vítimas dessa abundância.
Mas é especialmente verdade para grandes pensadores nas ciências sociais como o psicólogo cognitivo Steven Pinker, que teorizou sobre tudo - da origem da linguagem ao papel da genética na natureza humana -, ou o biólogo Richard Dawkins, que teve ideias grandes e controvertidas sobre tudo - do egoísmo a Deus -, ou o psicólogo Jonathan Haidt, que analisou sistemas morais diferentes e extraiu conclusões fascinantes sobre a relação - de moralidade a crenças políticas.

Mas como eles são cientistas e empíricos e não generalistas nas humanidades, o lugar a partir do qual as ideias eram costumeiramente popularizadas, eles sofrem um duplo golpe: não só o golpe contra as ideias em geral, mas o golpe contra a ciência, que é tipicamente considerada na mídia, na melhor hipótese, como mistificadora, na pior, como incompreensível. Uma geração atrás, esses homens teriam chegado a revistas populares e às telas da televisão. Agora, eles são expelidos pelo eflúvio informacional.

Alguém certamente dirá que as grandes ideias migraram para o mercado, mas há uma enorme diferença entre invenções com fins lucrativos e pensamentos intelectualmente desafiadores. Empresários têm muitas ideias, e alguns, como Steve Jobs, da Apple, trouxeram algumas ideias brilhantes no sentido "inovador" da palavra.

Mas, embora essas ideias possam mudar a maneira como vivemos, elas raramente transformam a maneira como pensamos. Elas são materiais, não nocionais. São os pensadores que estão em falta, e a situação provavelmente não vai mudar tão cedo.


Nós nos tornamos narcisistas da informação, tão desinteressados por qualquer coisa fora de nós e de nossos círculos de amizade ou por qualquer petisco que não possamos partilhar com esses amigos que se um Marx ou um Nietzsche surgisse subitamente trombeteando suas ideias, ninguém lhe daria a menor atenção, certamente não a mídia em geral, que aprendeu a servir ao nosso narcisismo.

O que o futuro pressagia é cada vez mais informação - Everests dela. Não haverá nada que não conheçamos. Mas não haverá ninguém pensando nisso. Pense nisso. / TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK

É BOLSISTA SÊNIOR NO ANNENBERG NORMAN LEAR CENTER DA UNIVERSIDADE DO SUL DA CALIFÓRNIA E AUTOR DE "WALT DISNEY: THE TRIUMPH OF THE AMERICAN IMAGINATION"