09 novembro 2011

A morte do cinegrafista da Band e os fatos na USP estão ligados


A morte do cinegrafista da Band e os fatos na USP estão ligados

por Rafael Moya, novembro de 2011.

“Aqueles que abrem mão da liberdade essencial por um pouco de segurança temporária não merecem nem liberdade nem segurança.” (Benjamin Franklin)

Mais uma vez a elite brasileira demonstra como sabe controlar o Brasil. Esses dias a morte do cinegrafista da Band e os fatos na USP têm me incomodado muito. E creio que ambos estão intimamente ligados. Senão vejamos.

Faz tempo que a elite brasileira quer intervir policialescamente na USP, em outras universidades, e em todos os espaços onde se têm formado lideranças que colocam em xeque as políticas implementadas no país. Como as tentativas de cooptação do movimento estudantil, via União Nacional dos Estudantes (UNE), não surtiram efeito na base das universidades públicas, como o processo de desmonte destas Universidades vem sendo combatido pelos estudantes, funcionários e parcos (mais valorosos) professores, a tática mudou. Agora é por a polícia militar no Campus.

Com a justificativa de combater a violência no campus - violência esta muito abaixo dos índices de criminalidade vistos na cidade de São Paulo – o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e o reitor João Grandino Rodas (ex-diretor da Faculdade de Direito e que não foi o mais votado pela comunidade acadêmica mesmo assim sendo escolhido pelo então governado José Serra (PSDB)) não perderam a chance de por em prática o que já sonhavam faz tempo, o controle policial ostensivo principalmente nas Faculdades “subversivas”, aquelas onde estão os “vagabundos e maconheiros”. Aliás, isso me faz lembrar uma música do Cazuza:

“Me chamam de ladrão, de bicha e maconheiro,
transformam o país inteiro num puteiro,
pois assim se ganha mais dinheiro”

É justo que a grande maioria dos estudantes reivindiquem segurança no campus. Mas é só observarmos a realidade (não apenas pelos óculos da grande mídia), que notaremos que o policiamento ostensivo puro e simples não resolve o problema da violência. A USP não conta sequer com iluminação adequada. Vejam bem, uma coisa é a violência de assalto e estupros, outra coisa é o uso de drogas (lícitas ou ilícitas) no campus, pois isso é um outro debate. Qual foi a primeira ação da PM nesse novo estado de “paz” dentro da USP? Prendeu algum “crápula, terrível, brutal, monstruoso, bandido”? Evitou um estupro ou homicídio? Não. Prendeu alguns estudantes que fumavam seus cigarros de maconha. Está certo? Talvez, pois assim diz a lei. Mas e os “bandidos”?

A universidade moderna tem como base a idéia de autonomia do saber ante a religião e o Estado. Elementos esses que contribuiriam para uma produção e difusão do saber livre. Assim o que está em jogo é muito mais do que “o desejo de meia dúzia de maconheiros de fazerem o que querem na universidade”, o que está em jogo é a liberdade de expressão, de pensamento. E isso não é perfumaria! 

Nossa Constituição Federal, no art. 207, define características fundamentais da autonomia universitária. Entre elas está a autonomia administrativa, ou seja, inclusive quanto sua segurança. Segundo o Prof. José Luiz Quadros Magalhães, em sua tese de doutorado na UFMG: “A autonomia universitária (...) tem características especiais que fazem com que possamos classificá-las como autonomias de garantia de democracia ao lado do Ministério Público.” Portanto essa norma “desvincula” a universidade do governo, permitindo que ela permaneça produzindo de forma livre o saber plural, distante de eventuais interferências diretas ou indiretas, mais ou menos autoritárias. Mas os fatos me remetem a outra música, agora é Legião Urbana:

“Ninguém respeita a constituição,
mas todos acreditam no futuro da nação,
Que país é esse?”

Mas o que isso tem a ver com a morte do cinegrafista da Bandeirantes? Ambos os fatos remetem a uma corrosão da nossa democracia. Com a morte do cinegrafista (onde inclusive o sindicato dos jornalistas está questionando a qualidade do colete a prova de balas que ele usava), a imprensa está bradando aos quatro ventos mais repressão aos bandidos, dureza das ações, força, pólvora, sangue etc.! Ao mesmo tempo vi na imprensa um policial militar de alta patente dizendo que “isso é para vermos que em alguns lugares a imprensa não pode entrar. É muito perigoso.” Ou seja, ninguém precisa saber o que acontece em alguns lugares. Principalmente se for na favela, com os sem-direitos, sem-dignidade.

Tenho observado princípios democráticos sendo corroídos a olho nu. O mais curioso, e dramático, é que isso é perpetrado por setores que, independente das profundas divergências políticas, valem-se desta democracia que eles ajudam a empurrar ao precipício. Sejam os políticos “eleitos”, seja a imprensa “livre”. É um tiro no pé, no deles e principalmente, no nosso.

Mais uma vez a elite brasileira faz escola. Eles não permitirão no Brasil uma Grécia, um Egito ou um Chile. Caso a crise que se abate sobre boa parte do mundo chegue aqui, as coisas já estarão devidamente “pacificadas”.

Não podemos ser coniventes.

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