11 outubro 2013

Sentença sobre reintegração de posse da USP

Tem uns juízes que ainda me fazem ter uma pontinha de esperança no #Judiciário. Sobre a reintegração de posse da reitoria da USP. A sentença é do corajoso Adriano Marcos Laroca.

"Certamente, é muito mais prejudicial à imagem da USP, sendo a universidade mais importante da América Latina, a desocupação de estudantes de um de seus prédios com o uso da tropa de choque, sem contar possíveis danos à integridade física dos estudantes, ratificando, mais uma vez, a tradição marcadamente autoritária da sociedade brasileira e de suas instituições, que, não reconhecendo conflitos sociais e de interesses, ao invés de resolvê-los pelo debate democrático, lançam mão da repressão ou da desmoralização do interlocutor. Aqui, não se olvide que sequer escapa desse "pensamento único", infelizmente, a maioria da mídia e da própria sociedade, amalgamada, por longos anos, nessa tradição de pensamento autoritário."

"De outro lado, cabe outra ponderação. A ocupação de bem público (no caso de uso especial, poderia ser de uso comum, por exemplo, uma praça ou rua), como forma de luta democrática (artigo 5º XVI da CF), para deixar de ter legitimidade, precisa causar mais ônus do que benefícios à universidade e, em última instancia, à sociedade."

"Outrossim, frise-se que nenhuma luta social que não cause qualquer transtorno, alteração da normalidade, não tem força de pressão e, portanto, sequer poderia se caracterizar como tal."

"Por fim, ouso dizer que o Poder Judiciário não pode mais, simplesmente, absorver conflitos negados pela postura antidemocrática dos demais poderes, sob o manto protetor de qualquer instituto jurídico -, no caso, o da posse -, sem o risco de ele próprio praticar o mesmo autoritarismo (repressão), os quais, na maioria das vezes, de modo irresponsável, são lhe transferidos pelos administradores de plantão."

Rafael Moya


04 outubro 2013

Um Conselho Necessário

Meu artigo publicado no jornal Correio Popular de Campinas em 03/10/2013.

Rafael Moya


UM CONSELHO NECESSÁRIO

Neste mês de setembro concluí meu mandato como presidente do Conselho Municipal de Meio Ambiente de Campinas. O COMDEMA é o conselho mais antigo de Campinas, tendo sua atual configuração determinada pela lei 10.841 de 2001, sancionada pelo prefeito Toninho. Esta lei trouxe o poder deliberativo ao Conselho e o recolocou em uma posição de destaque na discussão ambiental do município. Além desta lei, a Lei Orgânica de Campinas, determina que o Conselho de Meio Ambiente coordenará o sistema ambiental do município.

Minha eleição se deu em uma situação sui generis. Estávamos no meio da maior crise política de nossa história em 2011. Em que pese a forte intervenção do governo de plantão em setembro daquele ano, a sociedade civil articulou-se se maneira eficaz e conseguimos a eleição. Durante minha gestão pude conviver com três prefeitos. Em todas as administrações, sem exceção, tivemos problemas de diálogo e de respeito ao COMDEMA, em que pese graus diferentes. No Brasil os gestores públicos têm dificuldades em lidar com a democracia participativa e deliberativa. Ao serem eleitos, rapidamente deixam de lado o democrata e adquirem ares de monarcas, pouco se importando com os fóruns de discussões, audiências e deliberações coletivas.

Os esforços para amordaçar o Conselho foram muitos, mas insuficientes. A título de exemplo, o COMDEMA tem garantido por lei, recursos financeiros próprios, previstos em lei orçamentária, para a execução de suas atividades. Nestes dois anos de mandato nunca conseguimos acessar um centavo. A única estrutura que o Conselho dispõe é a de um Secretário Executivo, cargo de confiança nomeado pelo prefeito. A primeira medida do governo Jonas para com o COMDEMA foi a exoneração da pessoa que cumpria a função de maneira satisfatória por anos, e só nomeou outra depois de seis meses de muita luta e pressão. O Conselho tem a atribuição de manifestar-se sobre todas as questões referentes ao meio ambiente natural ou construído de Campinas, entre elas os empreendimentos imobiliários que se instalam na cidade.

Minha gestão teve por objetivo resgatar o Conselho como espaço legítimo para promover a construção da cidadania e a educação política, debater e propor políticas públicas e exercer controle social sobre o governo. Sempre busquei que nossa atuação se desse de maneira independente, seja do Executivo seja dos setores empresariais, que são legítimos e devem estar representados, mas que não podem, de maneira alguma, deter o controle do Conselho. Neste sentido, organizamos diversos debates, fizemos o diálogo e apresentamos aos candidatos a prefeito e a vereadores as pautas do conselho, organizamos a Conferência de Meio Ambiente e tantas outras atividades ao longo destes rápidos dois anos.

Ao deixar a presidência do COMDEMA, deixo o conselho com cem mil reais aprovados no PROAMB para uso da próxima gestão e o compromisso da Secretaria do Verde na construção da sede do Conselho, a Casa da Sustentabilidade. Muitos têm me questionado dos motivos que me fazem não buscar a reeleição. Neste processo de eleições, o governo Jonas tem atuado fortemente por meio da Secretaria de Relações Institucionais para a retomada do controle do conselho, intervindo na comissão eleitoral, inscrevendo pessoas que possuem cargos comissionados por meio de entidades da sociedade civil, evidenciando, mais uma vez, nenhum apreço pelos conselhos, especialmente pelos independentes.  Somado a isso, a sociedade civil, de maneira geral, tem demonstrado pouco interesse pela participação na coisa pública. A título de exemplo, a macrozona 1, que corresponde a quase 30% do território da cidade e abriga a Área de Proteção Ambiental de Campinas (APA), teve apenas uma entidade inscrita para a participação no COMDEMA, assim como o distrito da Barão Geraldo pela macrozona 3.

Por parte das entidades ambientalistas, segmento de onde venho, estas precisam se reinventar. A luta política contra-hegemônica pede mais do que palavras de ordem e frases de efeito, pede atuação consistente e sistemática e um diálogo com a sociedade que, apesar do evidente mal-estar, ainda não encontrou caminhos para construir um novo poder, poder esse que obrigue os monarcas travestidos de democratas a ouvirem as vozes das ruas. Minha luta ambientalista agora seguirá neste caminho, sempre me colocando à disposição daqueles que queiram construir uma cidade justa e sustentável.

Rafael Moya
Advogado, mestre em Engenharia Urbana e consultor em políticas socioambientais.
rafaelmoya.blogspot.com