22 setembro 2010

Desmascarando os pedágios

Lucro com pedágios supera R$ 1 bilhão em São Paulo

Por: Júlio Gardesani  (julio@abcdmaior.com.br)



Preço dos pedágios em rodovias como Anchieta e Imigrantes afeta consumidores finais de alimentos. Foto: Luciano Vicioni
Preço dos pedágios em rodovias como Anchieta e Imigrantes afeta consumidores finais de alimentos. Foto: Luciano Vicioni

Ecovias, que administra o sistema Anchieta-Imigrantes, é a segunda concessionária mais rentável
  No centro da disputa eleitoral para o governo de São Paulo está o valor dos pedágios no Estado. E, ao contrário do que prega o candidato governista Geraldo Alckmin (PSDB), as concessionárias que exploram as principais rodovias no Estado tiveram lucro líquido recorde com a cobrança de pedágios em 2009: mais de R$ 1 bilhão. Ou seja, este dinheiro é o total que fica no bolso das concessionárias, após todos os investimentos nas estradas. Os valores são referentes às rodovias terceirizadas entre 1998 e 2000 e os dados são da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), órgão do governo federal criado por lei.

O impacto do valor dos pedágios é diretamente sentido no ABCD. A Ecovias, concessionária que explora as rodovias Anchieta / Imigrantes – que ligam a Região à Baixada Santista – foi a segunda empresa com o maior lucro líquido em todo o Estado de São Paulo. Só em 2009, a Ecovias lucrou R$ 192,2 milhões; já a arrecadação da concessionária com os pedágios foi de R$ 567,9 milhões. Isso significa que 33,85% da receita com as praças de pedágio parou nos cofres da empresa. Vale lembrar que 2009 foi marcado por uma crise econômica internacional: nem isso afetou o desempenho.

Se o cálculo dos lucros das concessionárias licitadas entre 1998 a 2000 levar em conta todo o período (desde a época das concessões até o final do ano passado), os valores são astronômicos. Em 12 anos, as 12 concessionárias lucraram R$ 4,8 bilhões. Entre elas, a Ecovias que, desde 1998, garantiu lucro líquido de R$ 997 milhões.

Em nota, a Artesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte do Estado de São Paulo) afirma que “as concessionárias de rodovias paulistas vêm cumprindo os investimentos previstos que já somam 12,4 bilhões de reais”.

Mortes - O discurso dos tucanos de São Paulo é contrariado por números. A teoria de que os altos preços dos pedágios garantem melhorias nas estradas e deveriam reduzir o número de mortes, não se aplica na prática. Os índices são superiores ao padrão internacional de 2,5 mortos para cada cem milhões de quilômetros rodados.

Em algumas rodovias, como Anchieta e Imigrantres, o índice de mortos aumentou de 2,45 para 3,24, o que também acontece em outras estradas de São Paulo. Os dados são da Artesp, que afirma pretender atingir a meta internacional até 2020.

Pedágio caro aumenta preço dos alimentos

Além de os motoristas sentirem diretamente no bolso os altos preços dos pedágios, as mercadorias transportadas por caminhões nas rodovias de São Paulo já estão mais caras. As transportadoras repassam o valor dos pedágios para as empresas que recebem as mercadorias, o que atinge o preço final do produto. A afirmação é do presidente do Setecesp (Sindicato das Empresas de Transportes de Carga de São Paulo e Região), Manoel Sousa Lima.

“O pedágio de São Paulo é muito caro. Dos mais caros do mundo. É evidente que isso impacta negativamente no bolso do consumidor final. Para se ter uma ideia, São Paulo ganha uma nova praça de pedágio a cada 40 dias”, afirma Lima.

Ainda de acordo com Lima, sai mais caro pagar pedágio do que comprar um caminhão novo. “Uma transportadora financia um caminhão de R$ 290 mil em cinco anos, mas paga mais de pedágio. Um exemplo: se um caminhão fizer o percurso Ribeirão Preto para Santos 12 vezes em um mês, num período de três anos e meio já paga mais do que o caminhão só em pedágios”, completa Lima.

Fonte: ABCDmaior

20 setembro 2010

Na trincheira, Heloisa

Na última trincheira, Heloisa

 
Em poucos minutos, a ex-senadora Heloisa Helena (PSOL) critica o "propinódromo da base de bajulação do governo", "as relações promíscuas entre Executivo e Legislativo", "a vigarice do processo eleitoral" e a "matemática vil eleitoralista" imposta pelo atual sistema político.
Asmática, Heloisa Helena continua falando rápido e em tom estridente, mesmo fora da TV, onde tem apenas 40 segundos para deixar seu recado. Seu discurso típico lhe rendeu o cruel apelido de "Vuvuzela" entre os adversários.
Sem nenhum apoio político e atacada por todos os lados, ela é uma espécie de milagre eleitoral e tem chances reais de se eleger senadora. Na pesquisa Ibope/TV Gazeta divulgada dia 14 de setembro, Heloisa caíra para a segunda colocação, com 41% das intenções de voto, perdendo para Renan Calheiros (PMDB), que lidera a disputa com 54%. Em terceiro lugar está o Biu, Benedito de Lyra (PP), com 35%.
Heloisa sofre o bombardeio do mais forte cabo eleitoral do Nordeste. O presidente Lula gravou pedidos de apoio para Renan, desde o início da campanha, e na semana passada também gravou para Biu, coligado com o PSDB.
"Fazer política é um exercício de superação. Será um milagre, misturado com generosidade do povo, liberdade e rebeldia, se eu ganhar", admite a candidata, que também já disputou a Presidência da República e foi expulsa do PT.
Avessa à imprensa, que no Estado é dominada por grupos políticos rivais, Heloisa Helena conta que poderia ter mudado o domicílio eleitoral para o Rio de Janeiro, onde teve votação expressiva como candidata a presidente. "Mas eu quis ficar aqui para provar que esse Estado não é um curral eleitoral", disse.
"Arretada", Heloisa reage com indignação diante das propagandas eleitorais contra ela. "Até o presidente está contra", desabafa. Na TV, os adversários mostram o candidato do PSOL à Presidência, Plínio de Arruda Sampaio, dizendo-se favorável à legalização da maconha. Em seguida, associam Heloisa à ideia. "Só tenho briga no PSOL por ser contra a legalização, e agora veem com mais essa", reage.
A candidata disse que pegou empréstimo no banco para fazer a campanha, estimada em R$ 100 mil. Viaja para o interior em seu próprio carro, um Fiesta prata, modelo antigo. "E eles de helicóptero", compara.

09 setembro 2010

Não mudamos as estruturas de desigualdade

Brasília, 23/07/2010

Com desigualdade, IDH-D do Brasil cai 19%, aponta nova metodologia do PNUD

Cálculo aplicado à América Latina reduz o Índice de Desenvolvimento Humano conforme as diferenças de rendimento, educação e saúde

Fonte: PNUD
Leia a íntegra
Relatório Regional sobre Desenvolvimento Humano para América Latina e Caribe 2010 — Atuar sobre o futuro: romper a transmissão intergeracional da desigualdade
IDH x IDH-D
O IDH-D não é comparável ao IDH tradicionalmente divulgado pelo PNUD no Relatório de Desenvolvimento Humano internacional (o de 2010 sai em outubro). Como usa dados de pesquisas domiciliares, foram feitas diversas adaptações.

Para o relatório da América Latina e do Caribe, foi desenvolvido um índice que leva em conta as mesmas três dimensões do IDH original: rendimento, educação e saúde.

Para o primeiro, usou-se a renda per capita domiciliar (no IDH tradicional, usa-se o PIB per capita). Em educação, entraram a taxa de alfabetização, como no original, e anos de estudo das pessoas de 7 anos ou mais (no relatório internacional, recorre-se à taxa bruta de matrícula). Em saúde, a expectativa de vida foi substituída por acesso a água potável e disponibilidade de banheiro no domicílio.

Os dados são de 2005 a 2008, de acordo com o país. Os do Brasil referem-se a 2008.
da PrimaPagina


As condições de vida desiguais no Brasil corroem quase 1/5 do padrão de desenvolvimento do país, segundo um relatório divulgado nesta sexta-feira pelo PNUD. O estudo traz o cálculo do IDH-D (Índice de Desenvolvimento Humano ajustado à Desigualdade) que “penaliza” as diferenças de rendimentos, de escolaridade e de saúde. Para o Brasil, esse indicador que considera as disparidades é 19% inferior ao que leva em conta as médias nacionais. Ajustado de acordo com o mesmo método, o índice da América Latina e do Caribe tem queda semelhante (-19,1).

Os dados estão no Relatório Regional sobre Desenvolvimento Humano para a América Latina e o Caribe 2010, intitulado “Atuar sobre o futuro: romper a transmissão intergeracional da desigualdade”. A publicação constata que a desigualdade na região é alta, persistente e ocorre em um contexto de baixa mobilidade social.

O texto aborda o fosso entre vários grupos (homens e mulheres, zona rural e urbana, brancos e negros/índios) e sob vários aspectos, mas a medida mais sintética apresentada é a nova versão do IDH. A metodologia que “pune” os locais mais desiguais já havia surgido em pesquisas do PNUD no México e na Argentina, mas é a primeira vez que é aplicada para uma região do globo.

O novo índice não pode ser comparado ao divulgado nos relatórios internacionais, pois usa indicadores diferentes (veja quadro ao lado). No estudo para a América Latina, o PNUD desenvolveu um IDH parecido com o original, levando em conta as médias de cada país, e depois o ajustou de acordo com a desigualdade, dando maior peso aos domicílios que estão na parte mais baixa da escala social. Os aspectos considerados foram os mesmos do IDH tradicional: renda, educação e saúde.

Num cenário em que se dá grande ênfase à disparidade, os países mais penalizados foram Nicarágua (em que o IDH ajustado é 47,3% menor que o que leva em conta as médias nacionais), Bolívia (-41,9%), Honduras (-38,4%) e Colômbia (-26,9%). Isso significa que, nessas nações, o “custo da desigualdade” é maior. Na outra ponta estão Uruguai (-3,9%), Argentina (-5,9%) e Chile (-6,5%). Os dados são de 2005 a 2008, de acordo com o país.

No Brasil, de acordo com cálculos baseados em números de 2008, o IDH-D sem ajusta de desigualdade é de 0,777, e o com ajuste, 0,629. No ranking dos dois índices o Brasil fica em oitavo na América Latina, embora a distância para o nono (República Dominicana) recue de 0,044 para 0,031 ponto.

A desigualdade de renda é a que mais pesa sobre o IDH-D brasileiro ajustado (queda de 22,3%), seguido de educação (-19,8%) e saúde (-12,5%). Na América Latina a tendência é a mesma, mas com intensidade menor (queda de 18,8% na dimensão renda, 16,6% em educação e 12% em saúde).

Problema persistente

Esses dados demonstram que as disparidades, além de serem um problema por si mesmas, têm efeitos graves no padrão de vida das pessoas. Na América Latina, o problema adquire contornos mais dramáticos por ter sobrevivido a uma série de políticas públicas ao longo das últimas décadas — desde as de perfil mais intervencionista, como nos anos 50, até as reformas de mercado nos anos 80 e 90. “A desigualdade de rendimentos, educação, saúde e outros indicadores persiste de uma geração à outra, e se apresenta num contexto de baixa mobilidade socioeconômica”, afirma o relatório.

Isso se deve, em parte, ao fato de que “a desigualdade produz desigualdade”. O texto salienta, no entanto, que não são apenas as condições nos domicílios que determinam a perpetuação. Há fatores que emperram as políticas públicas destinadas a deter o fosso social, como “a baixa qualidade da representação política, a debilidade das instituições, o acesso desigual à influência sobre a elaboração e a aplicação das políticas específicas e as falhas institucionais que resultam em corrupção e captura do Estado”. Esses problemas “contribuem para que a dinâmica política reforce, em vez de evitar, a reprodução da desigualdade”.

O estudo defende, porém, que é possível, sim, “romper o círculo vicioso”. Para isso, são necessárias políticas que mirem a própria desigualdade. No prefácio, por exemplo, o diretor do PNUD para a América Latina e o Caribe, Heraldo Muñoz, afirma que o combate à pobreza deve permanecer como estratégia central dos programas sociais, mas que “é preciso ir além: a desigualdade por si mesma é um obstáculo para o avanço no desenvolvimento humano, e sua redução deve incorporar-se explicitamente na agenda pública”.

O relatório propõe políticas públicas que tenham alcance (que cheguem às pessoas que precisam), amplitude (que contemplem o conjunto de fatores que perpetuam o problema) e apropriação (as pessoas devem sentir-se e ser agentes de seu próprio desenvolvimento). As intervenções públicas, sustenta o documento, devem fundamentar-se “numa clara definição das coalizões políticas que as tornem viáveis”, devem fazer uma análise detalhada das restrições que enfrentarão (limitação de recursos, por exemplo) e devem reforçar a cidadania, adotar regras de transparência e prestação de contas.