02 junho 2014

CRISE DA ÁGUA OU CRISE DO MODELO?

Segue meu artigo publicado no jornal O Metropolitano de 31/05/2014, sobre a crise de abastecimento de água no estado de São Paulo.

Rafael Moya

www,ometropolitanocampinas.com.br

CRISE DA ÁGUA OU CRISE DO MODELO?



A situação crítica do abastecimento de água nas regiões metropolitanas de São Paulo e de Campinas já havia sido antecipada há pelo menos uma década por técnicos da área e nos planos elaborados para os recursos hídricos regionais. Não é de hoje os sinais da impossibilidade de se manter o suprimento de quase a metade da metrópole de São Paulo, com a água retirada da região de Campinas, via transposição pelo Sistema Cantareira, considerando o aumento da demanda populacional, industrial e agrícola dessas regiões.

Durante o processo da renovação da outorga do sistema Cantareira, no qual se renovaria a concessão da captação de água, diversos prefeitos da região de Campinas, já haviam questionado os métodos autoritários com que o Governo Alckmin havia conduzido o processo. Porém, nada mais além de bravatas foram feitas. Poucos acreditavam que a situação se tornaria tão dramática.

Como é de costume, a população não foi chamada a participar das discussões sobre a renovação da outorga do sistema Cantareira, nenhum conselho foi ouvido e até o Comitê de Bacias (órgão oficial e influente) achou insuficiente sua participação!

A situação se torna mais dramática quando vemos que as pessoas responsáveis para resolver o problema são as pessoas que criaram esta situação caótica e, aparentemente, não fizeram autocrítica, pois continuam a culpar a falta de chuva (que é um fato) e pedir que as pessoas economizem água, chegando até a adoção de medidas de multa para quem lavar a calçada (medida totalmente irrelevante). Diversos estudos, em todo o mundo, apontam como as maiores ameaças à água a expansão urbana, industrial e agrícola, as intervenções nos cursos d’água (canalizações, transposição de bacias, barragens e desvios), a perda de áreas úmidas e o desmatamento, além do aumento do consumo de água e da poluição hídrica.

O consumo doméstico de água corresponde a cerca de 30% do uso da água. Ou seja, ao pedir que as pessoas economizem água em casa, e é apenas essa medida que vêm sendo tomada, está-se excluindo da solução os 70% do consumo que advém da indústria e da agricultura. Como se não bastasse, o maior desperdício é do próprio Estado. No ano passado, a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) produziu mais de 3 bilhões de m³ de água, segundo o "Relatório de Sustentabilidade 2013", disponível no site da empresa. De acordo com a companhia, 20,3% dessa água deixaram de ser consumidos no ano passado, o que corresponde a 619,7 milhões de m³ de água perdidos. Essa quantidade seria suficiente para abastecer a cidade de São Paulo durante quase quatro meses. O consumo médio mensal de água na capital é de 159,5 milhões de m³. A Sabesp explica que essa água foi perdida por causa de vazamentos entre as estações de tratamento e as residências dos consumidores. "Esses vazamentos ocorrem, principalmente, devido ao envelhecimento das tubulações e às elevadas pressões", justificaram. Em rápido cálculo, concluímos que toda a água que foi desperdiçada ao longo de 2013 com vazamentos no Estado de São Paulo daria para abastecer a capital paulista durante quase quatro meses.

O que temos visto é que o Governo Federal, Estadual e praticamente todos os municipais nada têm feito para conter e solucionar tamanha crise. Pelo contrário, quando continuamos a presenciar uma expansão urbana desenfreada (se não tivéssemos 20 milhões de pessoas concentradas no mesmo local e utilizando da mesma água talvez o cenário fosse menos drástico), incentivo e negligência com o desmatamento e a destruição de nascentes (para se ter uma ideia, a ampliação do aeroporto de Viracopos aterrará cerca de vinte nascentes), poluição dos cursos d´águas etc. E isso tudo sendo tratado como “desenvolvimento”. É hora da sociedade civil agir, 2014 é ano de eleições. Será que não seria o caso de deixarmos o pessimismo e a mera reclamação de lado e começarmos a cobrar soluções e propostas que invertam esta lógica? Infelizmente nem podemos dizer que a água está batendo na bunda, pois ela acabou.

Rafael Moya, advogado, mestre em engenharia urbana e ex-presidente do Conselho de Meio Ambiente de Campinas.