Artigo publicado no jornal Correio Popular.
Rafael Moya
Coleta Seletiva Solidária
No Brasil, a gestão dos resíduos
sólidos está sob domínio de algumas poucas grandes empresas, para as quais os
poderes públicos municipais terceirizam os serviços de limpeza pública. Segundo
dados do IBGE (2010), esse tipo de contrato chega a representar 20% dos
orçamentos municipais. Conforme diferentes denúncias provenientes do movimento
de catadores, de gestores públicos e de urbanistas renomados, esse modelo tem
custo muito elevado, é pouco eficiente do ponto de vista da gestão e apresenta
graves problemas do ponto de vista ambiental, uma vez que não prioriza a
reciclagem.
Em oposição a esse modelo alguns
municípios brasileiros estão colocando em prática a coleta seletiva solidária.
Nessas cidades as prefeituras contratam cooperativas de catadores de materiais
recicláveis para prestarem o serviço de coleta seletiva. Dessa forma, o governo
municipal articula a gestão dos resíduos sólidos com preservação ambiental e
inclusão social.
A Política Nacional de Resíduos
Sólidos (PNRS), aprovada em 2010 após quase 20 anos de tramitação no congresso,
reafirma a possibilidade de tratar a questão dos resíduos sólidos também a
partir de sua esfera social. Dessa forma, leva em consideração a existência de
milhares de pessoas que tiram do “lixo” seu sustento, e reconhece os imensos
benefícios ambientais que trazem com seu trabalho. Neste sentido, a PNRS
garante prioridade às cooperativas e associações de catadores na prestação de
serviços ao poder público. Outro importante benefício da lei é trazer o
princípio do protetor-recebedor em matéria ambiental, abrindo a possibilidade
dos catadores serem remunerados pelos serviços ambientais prestados, garantindo
assim igualdade de condições perante as empresas que já recebem por serviços
semelhantes e com muito menos eficiência.
As cidades de Araraquara, São Carlos, São José do Rio Preto, Diadema, Biritiba Mirim,
Arujá, Assis e Ourinhos no estado de São Paulo; Londrina no estado do Paraná,
Itaúna no estado de Minas Gerais, Santa Cruz do Sul, Canoas, Jaguarão,
Cachoeira do Sul e Gravataí no estado do Rio Grande do Sul, que instituíram a
coleta seletiva solidária, estão consolidando uma forma democrática, socialmente justa e ambientalmente correta de
gestão dos resíduos sólidos urbanos.
Nessas cidades sobram bons exemplos
de como colocar a coleta seletiva solidária em prática. Na maioria dos casos o
esclarecimento sobre como separar o material reciclável e quando
disponibilizá-lo na rua é feito porta a porta. Nessa ocasião, o catador ou a
catadora responsável se apresenta ao morador. Essa é uma das características do
serviço público quando desempenhado segundo os princípios da Economia
Solidária. O envolvimento entre comunidade e trabalhador vai além da execução
da atividade de coleta. Sentidos e expectativas são partilhados nesse contato.
A comunidade sabe que, ao separar adequadamente o resíduo residencial, está
contribuindo para a preservação ambiental e para a inclusão social. Muitas
vezes o catador já é conhecido pelos moradores e é com satisfação que constatam
que é em uma nova condição que bate à suas portas dessa vez. São agora
trabalhadores reconhecidos pelo poder público e remunerados pelo serviço
prestado. Essa é uma conquista de toda a sociedade.
A coleta seletiva solidária não se
limita a contratação da cooperativa de catadores pela prefeitura, mas implica a
gestão participativa de todo o processo. É preciso consolidar essa nova forma
de lidar com os resíduos sólidos. O jeito de coletar é diferente, o caminhão é
outro, a relação com a comunidade é mais intensa, a forma de remuneração
obedece a outros princípios. Uma parte dessa consolidação passa necessariamente
pela experimentação. A reflexão coletiva sobre a experiência do trabalho
solidário, feita nos espaços de gestão participativa, em que participam
catadores, gestores públicos, professores universitários, estudantes e
ambientalistas permite realizar os ajustes necessários. São esses elementos que
o tornam um processo de gestão inovador.
O caminho já está sendo trilhado em
muitos lugares. Há anos as cooperativas de Campinas agonizam pela falta de
apoio do poder público. Algumas até encerraram suas atividades ante a ausência
de espaços adequados para se instalarem. Campinas precisa decidir se vai
organizar a gestão dos resíduos sólidos a partir das necessidades sociais e
ambientais ou se continuará varrendo a sujeira para debaixo do tapete.
Ioli Gewehr Wirth
Doutoranda em Ciências
Sociais da UNICAMP
Rafael Moya
Presidente do COMDEMA
Campinas e Mestrando em Engenharia Urbana da UFSCAR
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